Reconheço a cidade, nesta terça-feira, de mercado, de sempre...
O peso das tradições, hábitos, rotinas, dinâmicas de um povo e de uma cidade não se perdem só porque os habitantes vão partindo, vão mudando hábitos e mudando-se.Estou de partida também. Não sei quando, mas estou de partida.
O peso das tradições, hábitos, rotinas, dinâmicas de um povo e de uma cidade não se perdem só porque os habitantes vão partindo, vão mudando hábitos e mudando-se.Estou de partida também. Não sei quando, mas estou de partida.
Era inevitável a minha saída. Afinal vivi sempre contrariada. Com um pé aqui e outro num algures qualquer dos meus sonhos. Nem sempre num sítio conhecido e amado.
Foram anos e anos perguntando-me quando chegaria o dia. À espera de fins de semana. De férias.
Foram anos e anos perguntando-me quando chegaria o dia. À espera de fins de semana. De férias.
À espera de um milagre...À espera da reforma.
Era inevitável, não o milagre, mas a reforma e por isso chegou. Mais depressa que esperei. Mais depressa que sonhei. Porém, ainda não me mudei.
Não sei bater com a porta. Não sei fazer uma cruz, não sei cortar na raiz. Não sei não olhar para trás.
Se o faço, algo, um pouco, muito, quase quatro décadas, partem também para sempre de mim.
Não sei viver sem passado.Respiro a cidade numa terça-feira de mercado. Decido embrenhar-me nas dinâmicas antigas, tão antigas que nem o tempo as matou.
Descubro a cidade de hoje, vila de outrora. Igual. Nas cores, nos cheiros e na oferta. Na paisagem. Na fisionomia.
Descubro a cidade de hoje, vila de outrora. Igual. Nas cores, nos cheiros e na oferta. Na paisagem. Na fisionomia.
Podemos esquecer pessoas, mas as ruas empedradas, o rio e as margens, o castelo, as igrejas, o cruzeiro, a avenida dos castanheiros, o rossio, o jardim, a praça, os jacarandás despertando para a flor lilás não se afastam do nosso imaginário. São espaços integrantes no nosso dia a dia, somos parte integrante da cidade.
- Olá bom dia! Os meninos estão bons?
- Tudo bem obrigada.
- Há quanto tempo não os vejo? Nem à senhora também.
Um sorriso, um acenar de mão. Beijinhos, beijinhos.
- Olha esta menina! Há quanto tempo! Estás boazinha?
- Eu estou e tu?
Beijinhos, beijinhos e ficamos à conversa uns minutos.
Olho o vai e vem da rua. As suas gentes apressadas, carregadas, suadas. Alegres. Como sempre.
Fui eu que saí. Que estive fora mais de uma década somando tempo para a reforma, que chegou.Era inevitável a minha ida à cidade numa terça-feira de mercado.
E reconheci pessoas. Mais velhas, enrugadas, estafadas. Pindéricas. Algumas que me acenaram também. E que provavelmente me acharam mais velha, enrugada, estafada, pindérica ...
- Parti um ombro...
- Eu sei, li no teu blogue. ( sorrisos )
- Ah pois é, na viagem pelas aldeias típicas, dei-te o nome. ( foi a minha companheira de viagem durante dois dias, ali no banco ao lado; conheço-a de sempre ). Parti o ombro e engordei.
Mas já estou a emagrecer de novo. Quer dizer, a desinchar.
- Estás bem. A tua cara está boa.
Se queres ir beber um cafezinho, vai ter comigo ao bar do hotel. Vou sentar-me lá a ler um pouquinho. Vim ao mercado porque também gosto de vir e acabei a comprar estes livros ( sorrisos enquanto mostra o saco com três livros ). - Estás bem. A tua cara está boa.
Não fui. Segui adiante, pela avenida e mergulhei de cabeça na feira ( mercado semanal ). Era tarde. Já ninguém vendia. Acho até que já ninguém queria vender. Esperavam que a hora de almoço soasse para assim prepararem as carrinhas e seguirem os seus caminhos. Noutro lugar, noutra feira, cumprindo a semana e o seu destino de nómadas.
Prossegui pela cidade de regresso a casa. O sol, as cigarras, a hera trepando as paredes, os muros, o rio, as flores do campo crescendo ao acaso, o perfume, os lagartos e lagartixas, as abelhas saltando de flor em flor emprestavam à cidade um encanto que só a pele, os olhos e a sensibilidade de quem já não pertence a este lugar, nunca pertenceu afinal, pode apreciar sem culpa nem tendência.
Era inevitável que chegasse o dia. Em que de rosto descoberto, olhos nos olhos e coração leve abraçasse a cidade que me acolheu e a que nunca chamei minha.
Não sei ficar zangada. Não sei acumular ódios. Não sei o que é indiferença. Não gosto de sinais proibidos. Não gosto de ruas sem saída. Nem lugares sem volta. Não gosto de cortar pela raiz.
Hoje e aqui, senti-me em paz. Feliz.
Estou de partida, mas quero voltar sempre que sentir saudade. E permanecer. E ficar, ficar até me apetecer...
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