sexta-feira, 16 de setembro de 2011

a minha professora

É com um respeito sem tamanho e uma alegria de ir às lágrimas que vos apresento a menina Piedade.
Sabem há quantos anos conheço esta senhora? Há cinquenta e um anos.
Foi no tempo das gajajas e dos baleizões de gelo, açúcar e corante. Do velho do saco e do maximbombo do miungo para o Cazenga. Do simão toco. Das rádionovelas. Dos papagaios coloridos. Dos espadalhões cor de café com leite. Da Joana Maluca. Da avenida de terra batida.
Foi no tempo dos maboques quentes, fermentando nas barrigas, das mangas escorrendo o seu sumo pelos braços fora até ao cotovelos e dos pirolitos em papel às cores, colando-se nos dentes.
Foi no tempo de saltar à corda, ao eixo, jogar ao garrafão, ao berlinde com esferas cinzentas, dos carros de rolamentos, do jogo da minha mãe dá licença, quantos passos, e da triste viuvinha que anda na roda a chorar, anda a ver se encontra noivo para com ela casar e fui ao jardim da celeste giroflé, giroflá, flé, flá, que linda falua que lá vem, lá vem é uma falua que vem de Belém, passará passará...
Foi no tempo da ardózia e do a, e, i, o, u...
E a menina Piedade é a minha professora da 1ª classe. Que me ensinou as letras que formaram ditongos. Palavras.
A minha professora...Sem tirar nem pôr. Tal qual é hoje.
O facebook tem destas coisas. Permite quase tudo. E permitiu-me saber que está viva. Que vive em Luanda. E que está de boa saúde. Através do filho Francisco ( o Chiquinho ) que era um menino de tenra idade, quando, passados muitos anos desse tempo da velha infância fui convidada pela D. Zita e D. Dina ( irmãs, e uma delas madrinha da caçula ) para dar aulas no Colégio e assim trabalhar lado a lado com a menina Piedade, minha antiga professora da primeira cabunga e depois da primeira a sério. É que entrei com 5 anos e o que sabia fazer melhor era chorar baba e ranho por estar na escola a aprender, sujeita a regras, ralhetes e miúdos ranhosos. Acho que aprendi a contar até 10 e apenas o a, e, i, o, u. Era como na pré-primária de hoje; brincadeira, cantigas ( caranguejo não é peixe, caranguejo peixe é, caranguejo só é
peixe quando entra na maré ), e desenhos. Estudo não me parece que fosse muito ou à séria.
O padre Luís, um padre novo, de olhos verdes, muito bonito, que até parecia um santo, contava-nos histórias; a do pinóquio foi ele que ma contou e dava-nos santinhos, ensinando-nos o catecismo com as orações principais. O padre Luís muito mais tarde baptizou a caçula, e na Igreja de S. Paulo era o meu confessor. Gostava dele porque não me dava sermões nem grandes penitências. Gostava da sua voz, com sotaque italiano, digo eu, sei lá, gostava dele porque foi o primeiro padre que conheci e foi um privilégio conhecê-lo candengue ali no colégio Nossa Senhora de Fátima, no tempo em que a menina Piedade era professora. A minha professora.
Foi um privilégio enorme ter esta senhora como professora.

Imaginam como fiquei quando vi esta fotografia? Pois é, o meu coração parecia manteiga a derreter, os olhos pareciam chuva chuviscando pingos grossos e a memória foi buscar tantas coisas vividas naquele colégio ao longo da vida! Ali passei muitos anos, por ser vizinha, por ser como família. Hoje já partiram algumas das pessoas que mais admirei. A madrinha da caçula, D. Zita foi uma delas. Que também foi minha professora da 3ª classe. Que sempre me chamou Clarinha...quem me chama clarinha tem a minha amizade p'ra sempre.
Esta fotografia trouxe-me vida vivida, sentimentos esquecidos, cheiros, cores, sensações. Ali existiu um mundo colorido e grande que eu comecei a descobrir e devo-o em parte às minhas professoras. À menina Piedade.
Não vejo a hora de voltar a Luanda e dar um kandandu do tamanho do Universo a esta mulher fantástica que existiu na minha vida e a marcou para sempre.
Bem haja quem criou o facebook. Perigoso? Homessa!!!

3 comentários:

maria disse...

Fantástico, teres encontrado a tua professora no facebook.
Penso como tu. O facebook, mais do que perigoso,é fascinante.

Anónimo disse...

Que maravilha amiga!E que linda é esta senhora, com um ar tão doce e carinhoso.
É uma benção conhecer uma pessoa assim.
Que conte ainda muitos anos com saúde.

bjbj
Elena

Maria Clara disse...

Obrigada meninas.

Beijos Maria, e bom fim de semana.

Lena
Ao revê-la aqui na foto vieram-me à memória particularidades desta senhora que como é óbvio não posso retratar aqui, mas que são coisas deliciosas que vivi na sua companhia, que partilhei com ela e que assisti acontecer ao longo de vários anos. Ela foi a professora. Era uma referência.
Foi professora do mano Zé e da caçula. E seria dos meus filhos se os tivesse tido em Luanda. Nunca a perdi de vista porque era vizinha do colégio e porque me ligava a estas pessoas um sentimento de amizade forte.
A guerra afastou algumas pessoas.
Ela foi uma delas.
Estou muito feliz por a ter reencontrado e tudo farei para voltar a vê-la. Bjs