- Porque te
doi o corpo? Porque são os lençois pesados e o ar te falta? Porque o
coração te bate mais forte numa dor que se deitou contigo, dormiu a teu
lado e acordou antes de ti para te despertar também?
Sou eu tentando perceber o que de mim me escapa, meio adormecida ainda nas dores todas que me assolam diariamente e que não são exclusividade minha. São dores comuns aos mortais com que me cruzo.
Todos se queixam. Todos as sentem. Todos lhes dão abrigo. Alguns até lhes oferecem uma tiara. Para reinarem...
São dores. O oposto de prazeres. Que se não existem não lhe sentimos o alívio, mas se se vão, chegamos ao céu.
Rodo o pescoço e ele estala. Sinto-lhe a pressão. É a hérnia da cervical a dar bom dia. Não lhe ligo. Estico o braço e ele doi na articulação. É o braço que parti quando empoleirada no muro da casa, brincava como se fosse uma pista de autódromo e eu um Álvaro Lopes ou um António Peixinho e " trambulhei " do alto dos meus seis anitos, sem apelo nem agravo, dele abaixo. E o ombro. O bendito ombro que tanta canseira me deu e dores únicas e que partiu ao escorregar e cair na calçada portuguesa, depois de velha. E que em dias como o de hoje, lhe chamo maldito. Deixou o relógio, como o povo diz, na mudança de tempo. Encolho a perna. Sinto um formigueiro nos dedos do pé. Outra maldita hérnia, esta na lombar, fazendo das suas, no meu bendito corpo que tem de ser muito saudável para suportar tudo isto.
- Porque te doi o corpo? Porque hoje tudo te doi mais do que ontem ou anteontem ou amanhã?
Sou eu já acordada, sentada na cama tentando abrir os olhos e o coração.
Para me situar. Para me perceber corpo, mente e coração. Para me proteger.
Numa bipolaridade que me leva e traz aos céus e aos infernos, sofro as dores do mundo, iguais em tudo a essas dores comuns aos mortais. Às da minha vizinha de baixo. Da Marta da mercearia que me saúda de manhã quando lhe compro morangos, do Vítor do talho, que me sorri ruidosamente, enquanto corta dois bifes do lombo, dos que deixei para trás no ribatejo, dos que andam comigo de metro ou se deitam na praia. Dos que não conheço nem me conhecem. Nunca vi nem verei.
Dores são dores e há até quem baptize filhas com esse nome, como foi o caso dos meus pais. Sô Santos que nem sonhava o que hoje se sabe. Que o nome tem tanta influência na vida das pessoas. E aceitou que eu carregasse o nome duma avó, Clara. E de outra. Essa outra, Rosalina das Dores e que tantas dores teve na sua curta vida...
Sim, porque eu sou maria clara das dores. Como elas.
E por falar em sô Santos, acho que cheguei lá. Às minhas dores. Que têm dias. Que as conheço e convivo bem com elas. Que não lhes dou abrigo e as expulso ou que mesmo dormindo sonho com elas e mal acordo ali estão. Sentadas na cama. Ao meu lado. Dispostas a acompanharem-me no vai-e-vem deste dia. Que não é senão mais um dia, mas que lhe chamam Dia do Pai. E que corre bem quando se tem um bom pai, ou simplesmente um pai aceitável, mas vivo, junto de nós. Vivendo como nós, com dores uns dias e outros nem por isso.
Quando nos falta, a todas as dores, junta-se mais esta, que se aviva conforme as datas num masoquismo involuntário e (in)consciente, para a suportarmos.
Mais que do corpo, são as dores da alma. Conheço-as de cor. São muitas as datas, as lembranças e as perdas. É a carência em que a alma fica. Vêm e vão porque não podem permanecer eternamente vivas e agudas, a corroer, a dominar, a reinar no corpo cansado, já velho, magoado.
- Porque te doi o corpo? Porque são os lençois pesados e o ar te falta? Porque o coração te bate mais forte numa dor que se deitou contigo, dormiu a teu lado e acordou antes de ti para te despertar também?
Sou eu a perguntar, sabendo afinal qual a resposta. Porque hoje é Dia do Pai. Não do meu ou do vizinho do lado. Mas de todos os filhos, assim se estabeleceu.
Porque sou filha d' um pai que já partiu. Porque conheço filhos que não fizeram o luto de pais que partiram sem partirem.
Porque é que não se acaba com dias marcados para prazeres e dores da alma?
Respondo, por mim, que de antemão sei que hoje não será um dia de prazer. Porque nós gostamos de gostar da dor. Só pode...
Sou eu tentando perceber o que de mim me escapa, meio adormecida ainda nas dores todas que me assolam diariamente e que não são exclusividade minha. São dores comuns aos mortais com que me cruzo.
Todos se queixam. Todos as sentem. Todos lhes dão abrigo. Alguns até lhes oferecem uma tiara. Para reinarem...
São dores. O oposto de prazeres. Que se não existem não lhe sentimos o alívio, mas se se vão, chegamos ao céu.
Rodo o pescoço e ele estala. Sinto-lhe a pressão. É a hérnia da cervical a dar bom dia. Não lhe ligo. Estico o braço e ele doi na articulação. É o braço que parti quando empoleirada no muro da casa, brincava como se fosse uma pista de autódromo e eu um Álvaro Lopes ou um António Peixinho e " trambulhei " do alto dos meus seis anitos, sem apelo nem agravo, dele abaixo. E o ombro. O bendito ombro que tanta canseira me deu e dores únicas e que partiu ao escorregar e cair na calçada portuguesa, depois de velha. E que em dias como o de hoje, lhe chamo maldito. Deixou o relógio, como o povo diz, na mudança de tempo. Encolho a perna. Sinto um formigueiro nos dedos do pé. Outra maldita hérnia, esta na lombar, fazendo das suas, no meu bendito corpo que tem de ser muito saudável para suportar tudo isto.
- Porque te doi o corpo? Porque hoje tudo te doi mais do que ontem ou anteontem ou amanhã?
Sou eu já acordada, sentada na cama tentando abrir os olhos e o coração.
Para me situar. Para me perceber corpo, mente e coração. Para me proteger.
Numa bipolaridade que me leva e traz aos céus e aos infernos, sofro as dores do mundo, iguais em tudo a essas dores comuns aos mortais. Às da minha vizinha de baixo. Da Marta da mercearia que me saúda de manhã quando lhe compro morangos, do Vítor do talho, que me sorri ruidosamente, enquanto corta dois bifes do lombo, dos que deixei para trás no ribatejo, dos que andam comigo de metro ou se deitam na praia. Dos que não conheço nem me conhecem. Nunca vi nem verei.
Dores são dores e há até quem baptize filhas com esse nome, como foi o caso dos meus pais. Sô Santos que nem sonhava o que hoje se sabe. Que o nome tem tanta influência na vida das pessoas. E aceitou que eu carregasse o nome duma avó, Clara. E de outra. Essa outra, Rosalina das Dores e que tantas dores teve na sua curta vida...
Sim, porque eu sou maria clara das dores. Como elas.
E por falar em sô Santos, acho que cheguei lá. Às minhas dores. Que têm dias. Que as conheço e convivo bem com elas. Que não lhes dou abrigo e as expulso ou que mesmo dormindo sonho com elas e mal acordo ali estão. Sentadas na cama. Ao meu lado. Dispostas a acompanharem-me no vai-e-vem deste dia. Que não é senão mais um dia, mas que lhe chamam Dia do Pai. E que corre bem quando se tem um bom pai, ou simplesmente um pai aceitável, mas vivo, junto de nós. Vivendo como nós, com dores uns dias e outros nem por isso.
Quando nos falta, a todas as dores, junta-se mais esta, que se aviva conforme as datas num masoquismo involuntário e (in)consciente, para a suportarmos.
Mais que do corpo, são as dores da alma. Conheço-as de cor. São muitas as datas, as lembranças e as perdas. É a carência em que a alma fica. Vêm e vão porque não podem permanecer eternamente vivas e agudas, a corroer, a dominar, a reinar no corpo cansado, já velho, magoado.
- Porque te doi o corpo? Porque são os lençois pesados e o ar te falta? Porque o coração te bate mais forte numa dor que se deitou contigo, dormiu a teu lado e acordou antes de ti para te despertar também?
Sou eu a perguntar, sabendo afinal qual a resposta. Porque hoje é Dia do Pai. Não do meu ou do vizinho do lado. Mas de todos os filhos, assim se estabeleceu.
Porque sou filha d' um pai que já partiu. Porque conheço filhos que não fizeram o luto de pais que partiram sem partirem.
Porque é que não se acaba com dias marcados para prazeres e dores da alma?
Respondo, por mim, que de antemão sei que hoje não será um dia de prazer. Porque nós gostamos de gostar da dor. Só pode...
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