terça-feira, 25 de março de 2014

alfamando-me

                                                               foto tukayana.blogspot
Disseram-me,
- ... e sobe a rua para o castelo picão e vai encontrar as roupas estendidas na cordas. Eles andaram a enfeitá-las para virem cá filmar no fim de semana. Como às outras dos chapéus.
Não sabia qual era a rua. Não a encontrei. Apesar de seguir as indicações.
Alfama é um labirinto, para os de fora. Tantas vezes que já lá fui e outras tantas me parece sempre a primeira vez. O que é bom porque a cada vez, penso na próxima, para assim perceber este bairro e circular nele de forma mais confiante e sabedora.
Cheguei à igreja que me fora indicada, a de S. Miguel. Ali perto da rua da Regueira. Que estava enfeitada com chapéus de chuva.
Tudo me parece perto mas ao mesmo tempo, tudo me parece estranho.
Inclusive os moradores, que habituados ao vai-e-vem dos turistas sabem bem quem é português. Falam entre eles, às portas das casas, das mercearias, dos bares e casas de fados com um ar perfeitamente dono do espaço. Chamam-se aos berros e ouvem-se à légua. Discutem e insultam-se com palavrões cabeludos. Analisam-nos dos pés à cabeça e ainda têm um dialeto com que se entendem quando forasteiros estão por perto. Tinham-me dito isso. Um amigo que ali morou e ainda mantêm muito contacto com o bairro. Julgava que isso era no tempo em que o bairro vivia dos barcos, do porto, da estiva. Dos negócios de rua. Mas comprovei, ( porque ouvi falarem diferente) que há ainda quem use essa linguagem, que mais não é que português, com um acrescento de letras que transforma cada palavra em algo desconhecido dessa realidade. São também simpáticos, quando solicitados a uma qualquer informação. Quer adultos, quer adolescentes.
No átrio da igreja de S. Miguel, nas escadas, sentados, estavam uns putos a conversar, claramente putos de bairro.
Conheço-os à légua. Fui miúda de bairro. Não de Alfama, mas da Vila Alice e sei como se trata tudo por tu, marcando terreno, numa posse orgulhosa de ser tudo nosso, para além até do que a vista alcança.
Parei em frente deles e perguntei. O mais velho dos quatro, ou seja, o maior, mais espigadote, não necessariamente mais velho, mal tinha aberto a boca já um reguila, tipo russo de má(u) pêlo, o manda calar, acompanhado d' um gesto de mão para não prosseguir,
- cala-te meu, eu digo à senhora. Moro lá. Diz-me com ar de polícia sinaleiro. Cheio de gestos.
- Vá para a direita. Suba as escadas, continua e já está na minha rua. Está toda cheia de roupa nas cordas.
Fiz o que me disse e enquanto subia as escadas, vejo o grupo de miúdos que cortara caminho dando a volta à igreja. O puto grita, é aqui mesmo.
E lá vão eles alfamarem-se para outro beco, outras escadinhas, outra intenção qualquer.
Eu, bem eu entrei na rua e fotografei..

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