quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

caldinhos de galinha

Há dias que a gente salta a manhã e quando acorda diz naturalmente - boa tarde mundo - espreguiçando músculos, tendões, nervos, preguiça e vontade de despertar. Energicamente.
Não interessa se a manhã passou e não me bafejou com a sua frescura. 
Assim como assim não me parece que tenha perdido muito e o que ganhei numa noite em claro foi cansaço para me deitar na manhã fria e monótona deste lugar. E dormir frente a uma janela que acorda com os primeiros sons da madrugada, sem que isso perturbe o sono habituada que fui a viver perto de lugares onde a vida acontece. 
Incomoda-me bem mais o silêncio que o som dos dias e assim, hoje foi dia de levantar-me com a tarde.
O que fazer? O que comer? O que esperar?
Depois d' um batido para aconchegar o corpo e o espírito, é hora de pensar no almoço. Desengane-se quem pensa que os que vivem sozinhos não cozinham. Claro que sim.  Sobretudo se já são reformados. Essa é uma experiência que ainda não tem um ano, mas que não incomoda nem exige demais de mim e da vontade de estar na divisão da casa que me é mais grata. 
Cozinhar é um prazer diário. A minha terapia também. Cozinhar bem é a minha satisfação. 
E porque me apetece uma canja,  ( há anos que não faço canja ) o organismo lá sabe, foi atar e pôr ao fumeiro que se fez uma pressa. 
Enquanto a preparava pensei no Vítor.Não, não se ponham a adivinhar. Não o conhecem. 
Eu? Mal. Afinal quem conhecemos bem? Eu? Ninguém...
Pensei no Vítor porque está aqui à mão de semear, entrar e pedir um frango. 
- Minha senhora, partido em dois? 
- Sim, corte-o ao meio e depois aos bocados. Separe-o para duas vezes.
O Vítor do talho faz lembrar o Simpson dos desenhos animados. Uma personagem. 
Gigante,largo, impecavelmente fardado não faltando o avental branco.  
Sempre corado. Bem disposto. No seu vozeirão. Muitas mesuras, simpatias e sorrisos fáceis, palavra na ponta da língua, o que vai ser senhora dona...? e a gente nunca sabe se ele sabe o nosso nome ou faz isso com todas, até que há um momento em que o atira como quem não quer a coisa. 
- E o que vai ser mais senhora dona Clara, e eu suspiro aliviada porque odeio ser apenas um número. No mais das vezes, um zero à esquerda, talvez por ser canhota, talvez por outros motivos mais políticos e sociais. 
- Está bem assim minha senhora? 
- Não, não percebeu. Queria que partisse aos bocados.
- Aos bocados? Julguei que queria o frango para canja.
Na verdade eu ainda não sabia se ia fazer canja. Na verdade, fiquei preocupada por estar na fase de já só precisar de caldos de galinha. Na verdade, não era suposto estar na cara. Na minha cara. 
Afinal, não é que hoje fiz mesmo uma canja? Com hortelã e tudo. E soube-me pela vida.
Como é que ele adivinhou? Notar-se-á muito? 
Não quero nem saber porque caldinhos de galinha cada um toma os que quer. Desde que os pague...

3 comentários:

Agostinho disse...

Caldinhos destes sabem tão bem...
E não se pense que é só para gente grande, com bom gosto. A minha neta (5 aninhos brevemente) quando vem aqui pergunta logo à chegada à avó: "tens canja para a Maria Rita?"

Agora outros caldos. Já pensou em reunir em book uma seleção das suas crónicas?

Maria Clara disse...

Já. ;)

Agostinho disse...

Espero pelo lançamento.