quarta-feira, 29 de agosto de 2012

dia de hoje

foto tukayana.blogspot
Sentada no sofá da sala, com Dona Pitanga ao lado, encostadinha à minha perna, sinto a paz das noites calmas de um Agosto já no fim.
É o verão preparando-se para me deixar. É um tempo novo p’ra mim que sempre fiz férias neste mês. À exceção dos últimos anos. Afinal, Agosto é igual a Julho ou Setembro. Janeiro ou Maio. É tempo e com ele  o que ele nos traz. Este Agosto tem sido quente. Tem sido a ponte entre um período de férias e outro mais curto, mas férias, que nunca é a mesma coisa que trabalho.
A minha manhã começou com a  tosse chegando, o nariz entupindo, a cabeça rodando. E a vontade de ficar. Na cama. Até estar farta. Para quem se deitou com as galinhas, acordar não podendo com uma gata pelo rabo e com uma gata que tem o nome de fruta redondinha e vermelhinha, apetitosa e desejada, mas não é a fruta, tentando chamar a atenção e indiferente ao meu mal-estar, é de perder a paciência e desatar a dizer palavrões porque há que arranjar um bode expiatório. Ou gata, sei lá!
Mas como sou, antes quebrar que torcer, enquanto mexer os olhinhos, os dedos dos pés e elevar o corpo para a vertical, eu vou. Eu vou trabalhar. Não pelo trabalho mas pelo dinheiro, ah pois, sejamos honestos. Já ninguém me apanharia  doente no emprego, não fosse o dinheiro que me subtraem, se  meter atestado. Já não sei o que isso é. O último e mais longo atestado foi há 5 anos quando me vi a contas com a minha cervical e não era capaz de fazer o movimento do pescoço p' ra cima e p' ra baixo para poder trabalhar no computador, nem tão pouco conseguia mexer o braço esquerdo. Mas já lá vai, tal como tudo o que veio depois de ruim e que não ajudou nada à cervical, pelo contrário, pesou-a um pouco, muito, mas nem por isso me fez faltar ao trabalho. Poderia aqui fazer uma brincadeira, pese embora de mau gosto, mas não. Vou resistir para não resvalar para o vulgar. Assim como assim, já me sinto liberta e leve de novo.
Arrastei-me viaduto acima, acenei num cumprimento a dar para o fleumático, mas a pessoa merecia. Aliás, a pessoa deitou o braço de fora antes de eu a ver. Não evitei pensar se quando me for daqui embora vou sentir falta disto.
O dia passou, como quase todos passam. Entre benurons e chás e vontade de ir à farmácia.
Na volta a casa foi o que fiz. Entrei na farmácia do saudoso dr. Pontes. E tive uma surpresa. A Catarina, filha do meu ex-médico ao balcão. Esta menina foi colega de escola da caçula. Lembro-me dela, uma menina de 7 anos. E ainda não me esqueci do que o seu pai me fez. Ou não fez. Depois, lembrei-me que é sobrinha da Zé, por  via do marido. Faz sentido, este emprego. Ainda estava de volta do meu pedido quando apareceu a dita Zé, dona da farmácia e filha do falecido dr. Pontes que era uma joia de pessoa. Olá, como está? A que respondi com um olá sorridente. Estivemos juntas no velório e no funeral do meu colega e cunhado dela, A.B.D. e mais tarde a jantar na Tasca. Cada uma na sua mesa, claro.
Lembrei-me do B. Era um gentleman. À moda antiga. Privei com ele quase tantos anos como os que tenho de torres novas. Nem mais um militar para a Guiné, dizia ele encerrando os trabalhos às 5 da tarde, ele que nem tropa foi. Escapou por pouco. Não escapou da doença…
Saí da farmácia a caminho do Modelo. Para quê? A comida de dona Pitanga. É que nem doente eu posso ambicionar chegar à cidade e ir de caminho para casa. Atravessava a rua quando um carro preto com umas mãos acenando-me, me faz olhar e sorrir. Era a Laínha. Sempre bem disposta esta criatura, sobrinha da ex-educadora de infância das minhas crias e mulher do meu kamba da Gabela, Zé António. Ainda não tinha entrado no supermercado e a mulher do Lopes, meu ex-colega aparece-me bem à frente do nariz. Má volta, com o diria o seu marido, meu ex-colega. Não a conheci. Envelheceu, claro, não vai para nova, eu é que penso que as mulheres deviam parar na idade, a partir de determinadas rugas. Não acontece, infelizmente.
Finalmente estou dentro do estabelecimento. Despacho-me rapidamente e vou a tempo de esperar uns minutos pelo TUT que passa ali em frente, às 6 e 5. Quando vou para entrar, percebo que sentadas estavam mãe e filha, minhas ex-vizinhas da Miguel Bombarda, a nora do sapateiro da Travessa e também a neta. Não a via há anos. Já no TUT, passando exatamente na Miguel Bombarda onde estas duas ficaram, avistei o Necas, passeando a velha, ou nova pasta. No fundo, a pasta. Outra criatura que podia ter sido ex. Um ex-cunhado se eu me tivesse encantado pelo irmão que se encantou por mim e queria muito que eu me encantasse por ele, mas não, coisa de pele, de vísceras, o meu  s anto não dava com o dele. Se isso tivesse acontecido,  hoje  seria viúva pois o infeliz acabou tendo um enfarte.
Hoje, na verdade só se cruzam comigo, pessoas que conheço e que de alguma forma foram qualquer coisa na minha vida mas já não são. O Necas continua com o mesmo ar de bon vivant que sempre teve e foi. Aposto que continua de costa direita, passeando a pasta e armando em rico, tentando engatar raparigas (?) um pouco mais novas que ele. É pessoa para mais de 65 anos mas nunca teve juízo. Ouvia dizer aos que gravitavam por ali à volta – Ele é que a leva direita! E pelo jeito, continua a levar. Agora com muito menos cabelo;  nos segundos que me fixei nele,  levou a mão ao cabelo, o pouco que lhe resta, num gesto de vaidade que o caracterizou sempre, uma meia dúzia de vezes.
Há coisas que nunca mudam. Quem mudou foi a Gina, filha mais velha da Lourdes, a minha ex-vizinha angolana, da avenida brasil, mãe do Alfredo da Tasca. Vi-a também quando passávamos pela Rodoviária. Bonita como sempre nos seus olhos azuis, cabelo loiro e pele branca, em nada denunciando o sangue negro dos antepassados; não fosse parecida com a mãe e poderia dizer-se que fora adotada. Bonita como sempre mas muito mais gorda. Eu esqueço-me de como o tempo passa também para os outros. Ainda há pouco a via, vestida de igual, de puxinhos enfeitados por laços de cetim, com a irmã, passeando-se pela avenida brasil, de mão dada com a Lourdes, pequenina, de 3, 4 anos e já está bem mais velha do que a mãe nesse tempo. Casou com um neto do sapateiro da Travessa.  Ficou sobrinha e prima respectivamente, das criaturas que acabaram de sair do autocarro.
O autocarro parou na minha paragem, mesmo em frente ao Ciclo. Desci. Olhei a loja da Rita, mas não entrei. Ia carregada, pois atrás das latinhas da Pitanga, vêm iogurtes, cuscuz, tofu, tortilhas de milho cobertas com chocolate, enfim 20 euros de compras, sem que saiba ler nem escrever nem sequer desconfiar, pois agora já não sou capaz de saber quanto vou gastar só de olhar para os artigos. Aliás, já nem sei fazer contas de somar. A Rita tem estado de férias e foi substituída por outra rapariga simpática mas inexperiente, que quase que de minuto a minuto, telefona para a Noémia, a patroa, para saber o preço dos artigos. Por exemplo, eu compro uma água das pedras. Vêm num pack de 6,  e têm o preço do pack. Ora a criatura vai telefonar para saber se deve dividir por 6 o preço do pack para assim achar o preço duma unidade.  Não há paciência que não se esgote e eu que tenho a mania, defeito, de acabar as frases  a quem não se despacha a falar, sei que é má onda mas o que querem? faço isso à Eduarda ( ex-colega também ) que gagueja que eu sei lá e nunca se queixou desta minha mania, fico ali à espera e nunca mais é, ora, nestas alturas, apetece-me puxar da maquineta e fazer eu a conta rapidamente. Mas não. Nem tudo o que nos apetece podemos fazer. Ó se pudéssemos!
Quando subo as escadas de casa já vou quase no céu. Acabaram-se as vistas. Os ex todos, disto e daquilo, da minha porta para dentro, só quem eu quiser e a Pitanga.
Que fim de tarde! Doente como me sinto e com esta agitação toda, volto a perguntar-me se terei alguma pena de perder isto quando me for embora. Terei? Se calhar, terei. Afinal 37 anos são uma vida. E estas e outras pessoas daqui são as pessoas com quem me relacionei e relaciono. Fazer o quê?
Quando falo com a Pitanga de cima para baixo, quer dizer, para o tapete da entrada, pois que  sempre afia as suas unhas assim que abro a porta, pois que ela praticamente se atira para fora para esse ritual que dependendo da forma como chego a casa, me desespera, mas dizia eu que quando lhe estou a propor que entre em casa, oiço: Clara? És tu? Sim, sou eu. Já aí vou, por causa do condomínio. Ainda não foi desta que bati com a porta, fechei-a à chave e coloquei a corrente. Era a  vizinha do 1º andar, que conheço desde o tempo do Bob’s, a primeira discoteca da cidade onde eu marcava ponto todos os dias praticamente, que casou com o meu ex-colega Betinho, lá está, mais um ex.
Quando às 7 me sentei, suspirei de alívio. Sobrevivi…Ufa!
Agora vai de espirrar, lacrimejar involuntariamente, e ranhosa que estou, puxar de lenço atrás de lenço. Tocou o telefone. A amiga Lídia para me dizer que já veio de férias. E esteve nisso até que quis. Horas. Contando as peripécias duns dias na Beira Alta. Depois uma cria e outra querendo saber como me sentia. Eram mais de 10 horas quando pude pensar: Enfim, sós e sossegaditas. Mas não. No facebook, uma criatura chama-me quidona. Passei-me. Noutra altura qualquer teria ignorado ou simplesmente apagava o comentário. Mas não. Hoje foi a gota d’água. Quidona? O tanas. Ainda lhe dei uma hipótese. Repetiu. Eh pá, com amigos ordinários, mesmo que virtuais, vale mais ter inimigos. Ao menos esses olham-nos nos olhos na hora de um qualquer palavrão ou insulto.
Quidona? Foi com os cães, que nem pestanejei.
Estou no fim da noite. Daqui a nada vou dormir. Espero não ter mais surpresas. Quer dizer, depende. Se for uma coisa boa, não me importo. Doente  já não fico. E posso muito bem melhorar…

2 comentários:

persiana fechada disse...

olá. linda fotografia. tem aí uma grande companheira. as melhoras para si. onde quer que vá, tem sempre histórias fabulosas para nos contar ( aos leitores ). beijos

Maria Clara disse...

Obrigada Nuno. A minha mais recente estória não me agrada nada, mesmo nada e já estou pior. Fui bloqueada no facebook e não tenho acesso a ele, o que para mim é trágico.:((