sexta-feira, 4 de setembro de 2015

serão d' amigas

Com o quinto livro de crónicas de Lobo Antunes ( não fosse sacrilégio e lhe chamaria bíblia ) d' um lado e uma gata d' outro, o rádio despertador numa estação qualquer ao acaso, ligo a luz do candeeiro que apagara não faz muito tempo. E olho-me ao espelho. Bocejo atrás de bocejo, me fez o corpo deitar. O adiantado da hora também pesou, talvez indo ao encontro dos mais novos que em repetição enervante me dizem ter de repousar.
De vez em quando finjo insónias por não me apetecer dormir. Por não o querer, este espírito inquieto e ávido. Em conflito com os fins dos dias. Com os fins dos ciclos. 
Pois que bastaram tantos anos de trabalho com regras e horas fixas. Relógios e calendários. Obrigações e sujeições. Atropelos e tropeções no sono. 
Hoje quando o bocejo chega entediante e ensonado e me encontra tão embrenhada na vida, ( interior ) não o valido. Até que o cansaço vença a vontade de sentir o bom senso que nesta idade nos ganha. Lúcidos que nos tornamos.
A vida e os seus filtros; as suas renúncias; a sua beleza; a vida na sua essência e o seu fim, foram a tónica d' um serão entre a poltrona de baloiço e idas à cozinha a vigiar uma sopa de feijão, desejos de uma doente ( não grávida ) a quem amo com o meu coração de amar tudo. 
Uma sala acolhendo-me, o afago da música da terra longe, conversas sérias - sem gargalhadas mas com alguns sorrisos - conclusões lógicas, tolerância mil, olhares benevolentes sobre o mundo. Questionando, descartando raivas, ódios, vinganças. Dando mãos à palmatória. Conversas da infância; de gente pequena crescendo, num tempo que passou mas marcou, de gente grande retrospectivando. Conversas sobre os afectos, a longevidade. O reconhecimento. A vida e os seus filtros. A liberdade. A sua beleza.
Depois, já só, chegada a casa, a gratidão a impedir que esqueça quão preciosa é a vida. É tarde no relógio. Cedo para apagar este bem-estar de saber-me capaz de sentir. De sorrir e amar em troca de nada. Sem cobrar nada. E prosseguir.
Olho-me ao espelho e este devolve-me a cor e o tamanho da paz.
Talvez tenha chegado a hora de dormir.

m.c.s.

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