terça-feira, 1 de setembro de 2015

ontem

Ela, a madrinha, chamou-me Clarita. Num carinho que sempre me enterneceu. A sua mais velha, Clarinha e as pombas, a do meio Clarance, como sempre me haviam tratado, num misto de ternura e troça; e a mais nova, a minha companheira de tantas brincadeiras, tantas confidências, tantas vidas vividas numa só, olhou-me doridamente e abraçou-me. Abraçámo-nos...
Os amigos, pessoas que se amam há uma vida inteira, que partilharam tanto bem querer não deviam encontrar-se para despedidas para sempre. Partidas eternas...
Mulheres da minha vida, elas são responsáveis por parte daquilo que sou. Aprendi e ganhei mundo com todas. Vivi-lhes dias lindos e longos. Noites estreladas. Regras. 
Limites. Beleza. Descobertas. Sabedoria. Magia. Futuros. 
E fui uma criança feliz junto delas. E uma adolescente abençoada. E tinha vinte anos quando me despedi entre lágrimas e acenos. Esperanças de voltar.
Passaram quarenta anos e nunca mais tínhamos conseguido estar as cinco juntas ao mesmo tempo. A espaços a mais velha, a mais nova e a madrinha. Também a do meio e a mais velha juntas. A mais nova sozinha. Foi preciso a morte tocar esta família para nos reunirmos.
Ontem, não fora ser tão dolorosa e cruel a partida de alguém e teria sido um dia muito feliz para mim. Acredito que para elas também.
Por umas horas voltei a casa. Às minhas pessoas. Ao lugar do amor que nunca morre. Ao lugar do afecto, do respeito e da verdade. Àquele lugar eterno tão precioso. O da 
Amizade. Em dose quádrupla. E ouvi chamarem-me Clarita, Clarance, Clarinha e as Pombas e demos um abraço sofrido e maior do que o Mundo. Para lá de cinco céus.
Há uma ternura profunda quando se ouve - é a minha afilhada.
É a minha amiga de infância. 
Há um carinho desmedido quando sabemos ser a afilhada, a amiga de infância. 
Mas foi preciso a morte passar perto para celebrarmos a vida que já vivemos juntas e a riqueza que isso é. 
A maldita roubou-nos a cena. Mas não nos roubou o amor que sentimos. Nem os laços que criàmos. 
Não fora ela e ontem teria sido um dia de reencontros tão feliz...

m.c.s.

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