sexta-feira, 4 de setembro de 2015

que falta de compaixão é esta?

 A fotografia de Aylan Kurdi tem corrido mundo. As estações televisivas, os jornais, as redes sociais divulgam-na. 
Eu não a divulguei. Não sou capaz. Por ele, o menino que com a sua família, fugia do pesadelo em que as suas vidas se transformara. Por mim. Que me confesso fraca. 
Incapaz de o fazer. 
Também porque pari dois bebés. Tive-os à vez no meu ventre ao longo de nove meses. Dei-lhes a luz dos dias e da vida e assumi tudo fazer por eles. Morrer ou matar inclusive. Se outra alternativa não houvesse. 
Senti-me impotente, revoltada, triste com a minha espécie. Pouco importa o que sinto, eu sei. Importa o que se faz às vidas que merecem viver como eu e fogem do espectro da morte, ameaçadas que são as suas, por outras vidas.
Aylan Kurdi foi, assim que bati com os olhos na sua morte tão indigna, o " meu " menino. E cresceu-me a indignação no rosto, na mente, na razão e no ventre. Na alma. 
Que tempos tão ruins, que mundo tão desigual, injusto e perverso, insisto, caindo no lugar comum. Afinal o lugar comum hoje é a fuga de homens. A quem já rotularam, estigmatizaram, de refugiados. Que não o querem ser. Que não querem a Europa. Que não querem perder a raiz. 
Daqui deste lado surgem ajudas. E críticas às ajudas. Detendo-se no poucochinho que cada um tem dentro de si. Fazem-se comparações. Chamam à fala e à insensibilidade os sem-abrigo. As famílias vivendo miseravelmente. O desemprego. O rendimento mínimo. A miséria deste país. Indigna. Encoberta. Desprezada. 
Daqui deste lado chama-se a política. O aproveitamento. Acusam-se atitudes do passado. Para com os filhos do país.
Esquecem ou lembram que há quarenta anos foram também refugiados. 
E do que aconteceu à época. 
Daqui deste lado querem discussão. Semeiam discórdia. Lançam dúvidas, doses dissimuladas de veneno. E com o peito cheio de ar não tratam o assunto pelo nome. Chamam os seus refugiados. Porque lhes dá jeito 40 anos depois. E tal como nesse tempo repudiam a entrada de refugiados que tal como os outros fogem à morte. 
Eu e a minha família fugimos à morte. Fomos refugiados. Os meus pais foram retornados. Embora não esqueça essa condição o meu olhar foi de perdão. A vida não correu sempre mal. Não sou menos dona desta terra que os outros que cá nasceram e já cá estavam. Que nunca saíram dela. 
A Aylan Kurdi acolhi-o como " meu " menino. No meu coração. E choro-lhe a vida interrompida. Mas não quero chorar mais. Por outros. E sinto-me uma fera à ideia de braços cruzados para outros Aylan Kurdi à porta das fronteiras da europa. 
Que importa se não nos são próximos, portugueses, europeus?
Que filha da putice é esta de gente comodamente instalada no sofá com um portátil nas mãos, navegando pelo facebook, que por um lado exibe a fotografia do menino e por 
outro não quer no seu país refugiados não europeus e não qualificados?
Que medo é este Deus meu, que já vi e o reconheço, quatro décadas depois? Que falta de compaixão é esta?
Acordem, cresçam, façam-se Gente. E mereçam-se.
Eu estou a tentar...

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