sábado, 30 de junho de 2012

pela boca morre o peixe



Recebi uma mensagem que dizia mais ou menos assim: Dia 2 de Julho pelas 12 horas tem consulta na clínica dentária bla bla bla...
O bla bla bla fica mesmo em frente ao meu local de trabalho, do outro lado da rua, mas, quando a atravesso já vou como cão a roer ferro. Arrasto-me como se levasse uma bola de ferro presa a um pé. Não. Não estou mal dos pés. Ou estou, mas isso dará direito a outra mensagem, essa de neurocirurgia. Para além da perna direita encurtiçada, agora estava-me a fazer falta ser um verdadeiro sobreiro. Esta coisa de nos adormecer o pé dá um arrepio na espinha se pensamos que tivemos uma trombose e não demos por nada. A minha espinha arrepia-se com pouco mas é o medo.
Boca ao lado? Já vou tendo a cada vez que faço um esgar de escárnio.  Mente confusa? Isso já não é sintoma, nem defeito, é feitio e estou habituada. Braço esquerdo mexe bem? Mexe demais. Pareço polícia sinaleiro no alto do seu pequeno palco do poder em dia de semáforo avariado.
Então a que se deve esta dormência, macaca de emitação da outra que já habita em mim há muito anos e com a qual fiz um pacto - eu não me incomodo que aí estejas mas tu vê se não me causas muitos sarilhos e me deixas viver a minha vidinha sem pressas nem medos da marquesa e dos senhores da bata verde?
De facto o peso não é amigo. Elas andam aí, as cabras das hérnias. E arreganham-se todas quando eu mijo fora do penico, perdoem-me mas é mesmo isso e não sei dizê-lo doutro jeito, neste meu jeito de me resvalar a língua e o pensamento para o vulgar. Vulgar quer dizer normal, aprendi eu. E o normal neste país é dizermos e fazermos asneiras, uma atrás de outras, sem qualquer filtro  ou remorso, pudor ou arrependimento. 
O peso não é amigo, dizia eu e eu estou um tractor. Daqui a uma semana começo a minha dieta. Sorriram? Bem sei que ninguém me leva a sério e que isto de adiar por uma semana parece tanga, mas não é. D' hoje a uma semana, meus amigos, estou de férias, por quase um mês. Sim, tenho muitas férias. 30 dias. Isto quer dizer o quê? Idade. Anos de serviço. Direitos. Não posso falar muito alto senão desperto os invejosos, larápios de sonhos e roubam-me os direitos de sonhar, sim porque deveres nunca mos roubaram. Eu gosto de ir ver o mar mas nunca disse que gosto de ficar a ver navios. 
Prometo que quando voltar ao trabalho estou mais magrinha. Ahahahahahahah, mais magrinha...menos espaçosa era o que queria dizer. Eu consigo. Se meter isso na cabeça, eu consigo. À semelhança de outras coisas bem mais penosas que estão cá e o dano que me causam só eu o sei.
Mas, afinal, tudo isto para dizer que fui ao dentista e voltarei 2ª feira. Apesar de matar à dentada as minhas hérnias, precisei de ir e preciso voltar e repito, vou como cão a roer ferro. Muito mas muito contrariada. É que não gosto de ficar à mercê de uma bata branca. Tenho sempre medo delas, de tal jeito que no limite, até faço a tensão da bata branca, para o que me havia de dar, e tenho pavor, de gelar qual bloco de gelo, daqueles aparelhómetros podres de simpáticos ( ? ) que nos gritam aos ouvidos e nos fazem sentir uns desgraçadinhos tristes e desamparados. Conformados e sonâmbulos. Na forca. Não. Não gosto de  ficar-lhes nas mãos.
Nos últimos anos, tenho sido saudavelzinha. É que não posso ficar doente. E o que tem de ser tem muita força. Se calhar por isso é que de tanto roer ferro preciso ir ao dentista, de tanto fazer força o meu esqueleto manifesta-se. O que sei é que não tenho visitado gabinetes, consultórios, centros de saúde, hospitais e sou muito feliz assim. Apavora-me a ideia de fazer exames, de os mostrar e morrer de medo dos resultados. Odeio tomar medicamentos e ficar-lhes dependente. Apavora-me a ideia de doença eu que já fui uma doentinha militante que achava que sucumbiria se não tivesse o " meu " médico à mão de semear. Ao pé da porta. À distância de um telefonema, a separar-nos uma funcionária que dizia muitas vezes às duas da manhã, quando estava morta de cansaço e sono e esganada de fome - dona clara, o doutor vai vê-la, logo que a doente que lá está dentro, saia . E só com isso eu já melhorava quase tudo.
Nós os doentes dizemos com uma propriedade doentia " o meu médico " mas são eles que nos tomam conta da vidinha, decidem por nós e o pior é que gostamos. Sorrimos pateticamente para eles como se fossem nossos donos, nossos pais, nosso deus, nosso tudo. Pudera! O último com quem privei mais demoradamente não me apanhou nas curvas do caminho porque não quis percorrer esse caminho comigo, estou a falar do psiquiatra que olhava o computador e nem sequer me punha a vista em cima. Médico que não olha dentro dos nossos olhos, ou que não finge que olha, não me inspira e por isso sem qualquer remorso menti-lhe. E ainda hoje não me arrependo, eu que odeio a mentira e não sou mentirosa. Qual desmame qual carapuça, se nem sequer tinha tomado os medicamentos...a minha amiga Manuela foi a psiquiatra, a psicóloga, a mãe, a amiga, a minha sombra, a minha polícia, o meu chão e foi ela que me ajudou à cura de dor de corno que era o que eu tinha, recusando-me a viver por me achar mutilada.
Mutilada acabo eu se não levo isto das hérnias a sério. 
E pela boca morre o peixe. Da boca vou eu tratar segunda-feira. Mas repito, pareço uma condenada que vai arder na fogueira. E os bruxos são eles. Não eu, que estou inocente.

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