quarta-feira, 6 de junho de 2012

parei na esquina...

Parei na esquina. Gosto das esquinas desde kanuca. 
Naquele tempo, a esquina da escola 83 nos conhecia bem. De olhos fechados. Demais. 
A mim e à minha kamba Milú. Ficávamos a ver escurecer. A rir e a gozar, aiuê, na hora que tudo muda. No poente, sem medo da hora do lobo.
Na nossa terra os jovens não têm medo. De abuso até são atrevidos. E ficam assim para a vida.
Ficávamos a ver a nossa vida correr por entre estórias onde as princesas, nós, na frescura da inocência exibíamos umbigos grandes, bué gigantes. Do tamanho do mapa que estudámos, que diz, é África. O mundo éramos nós. E depois de nós, outra vez nós. No nosso bairro. 
E os sonhos eram p'ra já, no outro dia, quando os namoramentos se desenhassem e abrilhantassem de corações com setas de cupido, o horizonte, que podia ser no outro largo, no outro beco, na outra esquina e nos seduzissem com cantadas daquele tempo, num piscar d'olho, numa canção do bandido, de trazer por casa, que podia ser o Roberto Carlos a cantar, eu te amo, eu te amo, eu te amo... que nos encantava. E o bairro ficava parece virava festa com o amor aos saltos por entre as poças de mais uma chuvada acabada de cair, de molhar, de limpar a poeira vermelha que sempre se fazia notar e que vinha lá dos outros bairros. Se fazia notar, quase tanto como o ridículo dos nossos rostos ruborizados e encantados de paixão e esperança. Cheios de borboletas a esvoaçarem à nossa volta. Aiuê, vaidade! De andar de mão dada com o kanuco mais estiloso da outra rua.
Parei na esquina a olhar as coisas passadas. Gosto de ficar assim, quieta, parada, sem mexer ou baralhar os sentimentos. D'olhos abertos, ou semi-cerrados, a saborear esse cheiro, perfume de frangipani, rosas vermelhas de paixão ainda candengue e inocente, pura que nem ar da roça. Esse cheiro de manga madura dos quintais da rua e de casa. Do bairro. Esse perfume da felicidade que não se esquece mais, mesmo que vividos outros bairros, outras ruas, outras casas, outras terras e outros amores.
Gosto de ficar a sentir o coração a bater no peito, tum tum tum, tum tum tum, parece vai  sair pela boca só de lembrar, parece me vai fazer desmaiar, acordar, ressuscitar. 
Gosto de ficar na paz, a sorrir para o que foi e já não é, podia ser mas não foi, nunca mais é.
Gosto de ficar a me enganar de faz de conta, pode vir a ser se não desanimar e Deus ajudar e o kimbanda não se enganar. 

Não baixar a guarda, lutar, teimar, teimar, teimar, acreditar... 
Olho o vazio que  ficou depois do depois. Fazer o quê com esse espaço que não lhe sei dar uso, transformar ou substituir? Ocupar?!
Olho o que restou do momento, da hora, do dia, do sol e do luar, da estrela cadente e da estrela do mar, que me disse que o amor não se enganou, não morreu, o sonho não se perdeu e o tempo não me venceu. 
Parei na esquina,  onde gosto de ficar...
Dali, olho o que foi e o que pode vir a ser, neste presente que é e não é. E nem a lágrima que rola livre, me intimida, neste privilégio de saber quem fui, quem sou, quem foste e quem és. Neste privilégio de te amar... 

2 comentários:

persiana fechada disse...

olá, tudo bem? tantas recordações que correm nesse seu coração. tenho uma prima Milú mas é diminuitivo.

beijos e um abraço. continuação de um bom feriado.

Maria Clara disse...

Obrigada Nuno. Beijos também para si.