segunda-feira, 25 de junho de 2012

os cabeçudos

foto tukayana.blogspot
Saia plissada. Blusa branca. Chinelo de meter no dedo. Dourado. 
Eu. De cabelo pelo pescoço, franja curta. No meio da testa.
Eu sozinha no passeio da loja do sô Santos. Entre a baixa e o muceque. 
Se olho na esquerda, já estou descendo a avenida até à mutamba. Sempre a direito que não tem nada que enganar. Lhe conheço quase de olhos fechados. Cada vez que o avô Carvalho  vai nos Correios, ver a caixa postal, todo o domingo de manhã, eu vou com ele. Sempre a direito que até parece que a carrinha azul anda sozinha.
Se olho na direita, não invento caminho. Só lhe conheço até ao hospital de s. paulo. Até aos eucaliptos. Acaba o asfalto ali. Depois...é preciso acrescentar terra, casas, árvores, autocarro e pessoas para morarem lá. Nunca me dizem, quer dizer, nunca escutei qual é o bairro que fica depois de acabar o asfalto. Mas sei que há. A Lucrécia todo o dia vem de lá e vai para lá, no pé dela.
Sozinha no passeio da loja, viro-me para a esquerda. Eu gosto da posição. É mais fácil. Sou canhota. O que eu não gosto mesmo é do que adivinho que vai acontecer.
Diz que é carnaval. E que vem lá o cortejo de mascarados, banda de música, tambores, clarinetes, trompetes. E...cabeçudos.
Se franzir a testa que até a franja desce nas sobrancelhas e fizer força nos olhos, já lhes vejo esses gigantes de papelão e massa, parece engoliram um garfo, gigante também.
Os cabeçudos! Tem um jeito de andar, de mexer a cabeça, de marchar e de  se apresentar nas roupas compridas e coloridas que não fora morrer de medo deles e lhes batia palmas e lhes dava as boas vindas. E lhes queria sempre ali desfilando na avenida.
Mas não. Eu tenho medo, muito medo dos cabeçudos. Se não quero comer a sopa e me disserem que veem aí eu como tudo. Se não quero fazer o trabalho da escola, experimenta só falar de cabeçudos e já estou a abrir o caderno para fazer aquela conta de multiplicar  que mete tabuada dos nove. Ou se estou a escutar a conversa dos mais velhos. Ou se ando a correr à volta da mesa e do mano Zé, ou se estou em cima do muro empoleirada e agarrada nas folhas da mandioqueira, ou se estou apenas a olhar o fim da avenida até ao Zé Pirão e os cabeçudos veem lá, eu fujo para a casa de banho e tapo os ouvidos com as mãos até eles passarem. Até o carnaval acabar.
Há algo em mim que se me escapa. Há algo nesse medo que me faz fugir que eu queria ter percebido e vencido. Os cabeçudos mereciam palmas. Quando a arte sai à rua o nosso espírito enriquece e agradece. Quanto mais rico mais livre.
Acho já perdi o medo dos cabeçudos do carnaval...

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