terça-feira, 27 de março de 2012

por hoje ficamos assim


Trabalho há três décadas e mais uns trocados. No tribunal. Primeiro em Torres Novas, depois em Alcanena.
Nestes trinta anos estive nesta última e voltei ao local de origem por duas vezes. Há 13 anos que por lá ando sem pensar regressar a menos que me coloquem aqui quando o meu tribunal à semelhança de outros, dizem, fechar. Quero ver se não me canso a pensar no assunto. Quero ver se não deprimo. Quero ver se espero tranquilamente o momento de bater com a porta. 
Ao longo de todo este tempo, que é uma vida, fui vendo chegar e partir vários colegas. Alguns partiram de vez, como o Mota, o Nunes, o Pereira, a Otília e o Barra. Eu também deixei a avenida 25 de Abril e o edifício  que conheço como a palma das minhas mãos, por duas vezes. Hoje uma colega, que por acaso é minha xará, a única xará que tive, colega de trabalho, disse-nos adeus e até outra vez. Assim, de repente. Uma requisição, um ofício, uma satisfação e votos de felicidades e a gente há-de ver-se por aí...
Porque as despedidas por vezes custam, se calhar também pelo inesperado e porque a colega em questão sempre foi correcta, discreta e com uma forte lucidez do que é ser colega de trabalho, a sua saída repentina mexeu comigo.
De volta à cidade do Almonda e com o sol ainda quente numa tarde de verdadeiro verão apetecia tudo menos ir para casa. E porque as esplanadas estão ali a sorrirem para quem quer, lá fui eu sentar-me numa  delas. Uma coca-cola zero e uma imperial, um saco de pistascios. Outra imperial para uma terceira pessoa e alguém d'outra mesa que conversa connosco e sai antes de nós. E uma surpresa boa. Quando queremos pagar, esse alguém que conheço há 300 anos e tinha a alcunha de pato marreco quando estávamos no tempo do João S. do Tó, do Bispo, da Luísa, hoje um distinto advogado desta e doutras praças já o tinha feito por nós. Nos tempos que correm isso vai rareando e mais uma vez acabei sendo surpreendida. Enquanto ouvia um quadro de doença da mãe de uma das pessoas que comigo se sentava à mesa, olhava a paisagem em frente. Lá no alto, ali mesmo à mão de semear o castelo de Gil Pais. A tarde quente e bela, o sol ainda tocando morno a nossa pele...
Não percebo, ou percebo? Como há pessoas que gostam de ser infelizes e se vitimizam constantemente... Sou uma privilegiada. Não porque tenho tudo para ser feliz, mas porque tenho discernimento para escolher a coisa certa para roubar momentos à terra, ao tempo, ao sol para assim me sentir bem. A primavera é minha amiga. Traz-me esperança e luz...
Chega a hora de ir p'ra casa. Até porque quero cozinhar e ir andar a pé depois. A minha parceira das passeatas está fora, de férias, mas arranjei outra. Não que substitua pessoas como cuecas, mas é para andar, é para andar. Assim como assim até acho que estou menos bazaruca o que me agrada. Pudera, há mais de uma semana que me contenho, reprimo, castigo, tudo para ver se caibo na roupa, não me canso tanto e o espelho se torna mais meu amigo. Com a crise, nada como vestir o que está guardado e... não é pouco o que para aqui vai, que não lhe dou uso e até me esqueço que possuo. 
Entrei na loja da Ritinha e dela népias. Queria saber como vai pois ultimamente tem-se queixado demais e anda muito tristinha. Parece que foi de férias por uns dias. Diz que anda com uns problemas e por isso fazia-lhe bem mudar de ares. Quem disse foi o patrão que não abriu o jogo mas que me fez ler nas entrelinhas um caso de amor terminado. Ah! É isso. Como não percebi antes que o mal era de amores? A Rita é muito nova. Vivia com o namorado. Quantos namorados ainda vai ver partir...a quantos vai pôr com dona...
Comprei batatas, leite e pão de sementes e paguei 2 euros e tal. E fiquei surpreendida. Já ninguém gasta tão pouco nas compras. Cada vez que não gasto, ou gasto pouco fico feliz. Eu não era assim. Com a velhice chega tudo, até a avareza.
Ali na loja parece o jornal almonda. As novidades caem como tordos. A D. Vitória ainda está em Lisboa. Deu-lhe um AVC. Coitada da Dona Vitória! A senhora conhece-a, dizia-me o dono da loja do qual não  sei sequer o nome. - Ela está sempre aqui. 
- Sabes alguma coisa da Vitória? pergunta uma velhota com quem também me cruzo quase diariamente. Vê lá como esta gente é que até correu o boato que já tinha morrido, diz ela baixando a voz, não fosse a morte ouvir.
A Cristina, viúva do Alberto, que infelismente partiu cedo demais, por via de um acidente na A23 entre Alcanena e Torres Novas, chega com um sorriso a brilhar-lhe no rosto. 
- Tudo bem? Pergunta-me sem desmanchar o sorriso. Tudo, respondi-lhe. A vizinha do prédio da frente, com quem nunca troquei duas palavras, ouve-me responder e mira-me dos pés à cabeça. 
Ao sair esbarro na minha vizinha Xana que vem alvoraçada como sempre e falando alto com o miúdo com quem anda sempre. - Boa tarde vizinha. Sempre carregada.
 Vou a caminho de casa. 
Dona Pitanga aguardava o prato de comida. Dei-lhe paté de salmão, mais barato que o atum com gambas, a ver se ela caía e caiu. Não posso abusar da sorte. Mas enquanto come por 50 cêntimos não come por 1,09€.  Mexeu-me na gaveta da cómoda do corredor e conseguiu tirar um pijama. Não sei mas parece-me que está baralhada. Nem é domingo, nem ficou sozinha de noite nem passou muito tempo desde que a deixei de manhã.
O dia está no fim. Estou à porta de férias. Isso anima-me. E o sol também. E viver um dia de cada vez idem.
Hoje é dia do teatro. Pena é que no Virgínia não haja nada a assinalar o dia. Ou há?
Em noite de Benfica, tristezas não pagam dívidas, umas vezes ganha-se outras perde-se e eu se quiser até nem me ralo.

1 comentário:

david disse...

:)
boa primavera.