sexta-feira, 9 de março de 2012

hoje pelas lembranças

Fiz o percurso devagar. Gozando o prazer de estar em torres novas  às 10 da manhã, de um dia de semana.
O tempo e o caminho são breves. E demais conhecido, até de olhos fechados. Foi feito por mim anos a fio, num somar de dias, meses, anos. 
Há 13 anos atrás o caminho tem sido outro. Mais longo mas mais pacífico e sereno. Não senti falta do que ficou para trás. Apenas uma única vez voltei ali. Para ser testemunha. Não gosto. Eu que durante anos e anos coloquei gente no banco das testemunhas, no banco dos réus, com uma perna às costas, esse lugar nunca o ocupei com naturalidade.  Fui indicada por três vezes na vida, para testemunha. A primeira vez num homicídio acontecido no edifício. E não foi fácil. Entrei em pânico, não dormia, não comia, tive que fazer uma visita ao médico, tudo porque tinha de identificar o arguido ali na sua presença, arguido esse, perigosíssimo, bem como todas as pessoas envolventes nesse crime monstruoso, nas nossas barbas. Mas fi-lo. A segunda vez, fui indicada testemunha abonatória da arguida, pessoa chegada a mim profissionalmente e a quem sou grata por motivos que não vêm agora ao caso. Depoimento esse que acabei por não fazer por ter sido dispensada pelo advogado da arguida, num equívoco que me aliviou, lá está, pela minha incapacidade para tratar por tu a cadeira das testemunhas numa sala de audiências, ainda que a sala onde trabalhei diariamente como oficial de justiça. 
Hoje foi a terceira vez que ali fui para testemunhar. Subi as escadas e não evitei pensar em todos aqueles anos que ali trabalhei. Acho senti até o cheiro desses dias, dessas manhãs. A nossa casa é a nossa casa. Ali entrei com 26 anos. Trinta anos atrás. Conheci muita gente. Fiz algumas amizades. Aprendi muito. Cresci e envelheci. Entrei na minha antiga secção e olhei com carinho o lugar onde estava a minha secretária. A chave da casa de banho pendurada no gancho junto à porta...
Os colegas de outros tempos são poucos. Mas os outros já ouviram falar de mim. Às vezes falamos ao telefone. Nada será como dantes. O meu tempo naquele lugar terminou, mas hoje aquele espaço não me foi hostil. E tranquilizei o meu espírito. Se calhar por isso, ou porque a alma inquieta, nervosa e medrosa que eu era, cresceu e pela primeira das três vezes que fui indicada como testemunha enfrentei  a cadeira com tranquilidade. O juiz, meu conhecido do tribunal onde trabalho e que actualmente ali se encontra a prestar serviço tudo fez para que eu estivesse à vontade e o Rafael e a sua adopção eram motivo mais que suficiente para eu dizer sim ao desafio que foi sempre o lugar da testemunha.
A cidade do Almonda hoje pela manhã estava linda. O sol, o calor e a azáfama de uma sexta-feira  deixando sonhar com o fim de semana fez-me ter pena de a deixar para cumprir mais um dia de trabalho. Acho que ainda vou gostar muito desta terra, quando a minha reforma sair no papel e eu for viver para a capital.

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