Alfama-te com estranhos
Um jantar, 10 pessoas que não se conhecem, uma vizinha que prepara o repasto que sai pela janela, um pátio escondido de Alfama, uma mesa montada na rua e boa disposição: eis os ingredientes para o Alfama-te.
Frederico, Joana e Ângela, os organizadores do Alfama-te, querem quebrar as rotinas dos lisboetas e dar a conhecer Alfama de uma forma muito peculiar. «As pessoas vão sempre para os mesmos sítios. Passam a vida no Bairro Alto, nas Docas e sítios afins, mas Lisboa tem mais que isso», explica Frederico. Foi então que decidiram sentar-se à mesa com dez desconhecidos num recanto de Alfama e trocar experiências. O processo é simples: basta uma inscrição pelo site ou pelo Facebook e fazer uma transferência bancária de 20 euros. Até à hora marcada ninguém sabe com quem vai jantar, onde se vai sentar e nem sequer o que vai comer. A mesa foi posta pela primeira vez em Abril e já recebeu mais de 20 jantares. À sua volta, já estiveram sentadas mais de 100 pessoas. Na maioria são mulheres, «porque são muito mais destemidas», diz Frederico.
Do sofá para a mesa
Ponto de encontro: Largo do Chafariz de Dentro. Frederico, 38 anos, está à espera. Entre tragos na cerveja e telefonemas dos ilustres desconhecidos, o organizador e director de formação numa escola de medicina alternativa conta ao SOL que, curiosamente, tudo começou num sofá e que daí para a mesa foi um passo.
«O Alfama-te surge no seio da comunidade couchsurfing [dormir no sofá de um estranho]. Como era o embaixador em Lisboa organizava imensos eventos para estrangeiros e comecei a reparar que eles pareciam conhecer melhor a cidade e os sítios mais escondidos do que os próprios lisboetas, e isso estava a fazer comichão», explica. Começaram por criar eventos mais vocacionados para os alfacinhas, como concertos, noites de fado («mas aquele fado divertido e não o chato»), projecção de cinema nas igrejas, workshops de dança, festas temáticas, entre outras coisas.
Entretanto, Joana, uma psicóloga que dá aulas de piano a crianças, lembrou-se do Alfama-te a 10 quando ouviu falar do conceito de anti-restaurante e de pessoas que recebem estranhos em casa e preparam uma refeição. O primeiro passo foi falar com os habitantes dos rés-do-chão que têm um pátio ou um espaço à porta de casa. Compram tudo e dão às moradoras a tarefa de cozinhar, ao mesmo tempo que as ajudam.
«Aqui há muita gente com condições socioeconómicas baixas, e ganhar 50 euros por um jantar, ao ritmo de dois jantares por semana, é um bom complemento ao subsídio de desemprego ou à reforma. Reparámos que houve uma senhora que, ao fim de dois jantares, foi ao cabeleireiro. Com 100 euros fez uma festa!», conta Frederico.
E quem aceita este desafio e está disposto a aventurar-se pelas ruelas apertadas, escadinhas e subidas escabrosas deste bairro pitoresco? Uma higienista oral, uma psicóloga, uma jovem empresária, dois trabalhadores de uma tabaqueira, uma jornalista, uma assistente social e até um vendedor de sonhos. «Não fazemos qualquer tipo de selecção. Vem quem vier. Pessoas com idades, profissões e ideologias diferentes. O engraçado é ver isso».
O acaso levou-os à porta de casa da D. São, onde se podia ver um quadro da Última Ceia por cima da televisão, que passava a novela da noite. A mesa estava posta, o cozinhado pronto para sair pela porta fora e os ‘alfamados’ reunidos. Passa-se ao ritual de apresentação em que cada pessoa se dá a conhecer, ou não.
Encontros (im)prováveis
Tal como Frederico já tinha alertado, ao fim de 10 minutos de conversa as pessoas percebem que têm amigos em comum. «Até a mim já me aconteceu uma senhora de 60 e tal anos vir jantar e afinal tinha sido colega do meu pai, que por sua vez é padrinho da filha dela. E encontrámo-nos aqui nestes jantares». As razões para se ‘alfamarem’ variam. Catarina decidiu ir ao jantar porque vive há pouco tempo em Lisboa e achou que esta «é uma óptima maneira de conhecer pessoas interessantes e diferentes».
Já Marisa veio em trabalho. Quis dar o conhecer o seu negócio e conhecer sítios alternativos para mostrar aos clientes da sua residencial. Até havia quem morasse em Alfama há pouco tempo e viu nesta iniciativa uma boa oportunidade para conhecer os vizinhos. As expectativas saíram defraudadas: «Ninguém no jantar é de Alfama, mas não faz mal porque estou a divertir-me à mesma».
Desengane-se quem pensa que isto é um escape para quem não tem amizades. «Isto não é para aquele lobo solitário que está em casa e que não tem amigos. O tipo de pessoa que encontras aqui não é acanhada, estranha e que vem à procura de amigos. Antes pelo contrário, são sempre pessoas expansivas e aventureiras», esclarece o organizador. O propósito é que se passe o testemunho aos amigos e levar pessoas para Alfama. Mas há uma regra: ninguém pode voltar. «Essas pessoas hão-de aparecer noutras circunstâncias, como por exemplo num bar».
E foi precisamente o que aconteceu. Quando a língua já estava solta, os desconhecidos que se passaram a conhecer foram em romaria pelos becos e vielas até um tasco das redondezas, onde outras pessoas que não quiseram perder o rasto a Alfama se encontravam, divididos entre amena cavaqueira, cantorias e imperiais.
( reportagem de Rita Osório ( Sol ) em 14 de Agosto de 2011 )
( reportagem de Rita Osório ( Sol ) em 14 de Agosto de 2011 )
Sem comentários:
Enviar um comentário