quinta-feira, 22 de março de 2012

diário de uma grevista



Em dia de greve geral, o país ainda assim, vive, trabalha, descansa, reivindica...Não pára. Já eu, fiquei por casa. Não há como ficar em casa, quando é dia de trabalho para percebermos que esse não é o nosso lugar. O dia decorre indiferente a nós e eu pergunto-me como vai ser quando vier a reforma.
Um dia destes alguém me disse: não penses que não vais sentir-te deprimida, todos se sentem. E eu não me imaginei a deprimir porque deixei de subir o viaduto, deixei de apanhar o autocarro, a boleia, almocei uma sopa ou um batido em frente ao computador, deixei de atender o telefone: tribunal de Alcanena, bom dia...ou deixei todo aquele ritual diário ( porque apesar de diferente é sempre igual ) de horas a uma secretária trabalhando com papéis e pessoas. 
Não me imagino a deprimir porque não tenho de regressar ao Ribatejo ao domingo à noite ou porque estou a um passo do metro, de Lisboa, de amigos, das crias, do supermercado, da farmácia, do cabeleireiro, da papelaria, do talho,  dos jardins, dos cinemas, do mar, da liberdade... Em dia de greve, com o dia de trabalho que teria, a meio, não questiono a minha escolha. Respondi ao Luís M. quando me perguntou- Amanhã sou capaz de te dar boleia de novo se estiveres um pouco atrasada, porque não páro no viaduto, passo todos os dias por ti mas já vens aqui a meio...Amanhã, não, que vou fazer greve, respondi-lhe eu. 
O Luís M. é meu amigo de há muitos anos.  Tem mais de 300 anos que nos conhecemos. Sempre o conheci assim como é. Calmo, tranquilo, introspectivo, inteligente e artista. Hoje artista não do papel, do desenho, da poesia ou da banda desenhada apenas, mas dos dedos, da arte da reflexologia. Surpreendeu-se comigo e com a Manuela uma noite destas quando nos cruzámos e parámos, claro, para trocarmos dois dedos de conversa. - Todos as noites? Sete quilómetros? Isso é bom. Muito bom. Tu também?  Parecendo que duvidava desse meu querer andar a pé ao fim da tarde com método e alegria. - Claro que eu, sim. Ontem, voltou a convencer-se: depois de subires 600 metros de viaduto, ainda vais até ao colégio Santa Maria? Desde a tua casa até lá são para aí uns dois quilómetros ou mais. Andas muito. Muito bom. E à noite vais andar de novo. Óptimo...
Será que tenho cara de quem não se levanta do sofá para nada e se muda do sofá para a cama? O Luís M. anda a pé desde que me lembro dele na cidade. Tem hábitos saudáveis. Uma vida regrada. É uma boa pessoa. Daquelas pessoas que a gente pergunta: Que segredos esconderá? Não lhe conheço os defeitos. Já não há gente assim. Em dia de greve, pouco faço em casa. Não deveria estar aqui. Porque o meu lugar é a trabalhar, não fosse a greve. Resolvo que é um dia bom para a dieta. Não muito convencida, bebo o batido  pelas 9 da manhã. Faço um jarro de água com beringela e limão e vou bebendo ao longo da manhã.  Acho-me piada. Exagero que eu sei lá mas dá-me a veneta e transformo o meu dia de greve ao trabalho num dia de greve à comida que me cresce as formas e nada acrescenta à minha saúde. Hesito entre uma sopa,  um queijo fresco, ou o batido de novo, desta feita acompanhado de ananás. Escolho o último. Fervo as cascas do ananás para chá. Estendo uma máquina de roupa que a dita lavou. Enquanto isso olho a escola. Poucos miúdos, em dia de greve. Muito, muito a meio gás. 
No jardim em frente, sentados num banco, a Xana, mãe das 3 pestes aqui do lado. Está com mais duas criaturas. A Xana tem um Café no prédio ao lado. Não deve ter clientes e senta-se com os amigos. 
Ontem, quando vinha da loja da Rita que estava muito aborrecida e adoentada, farta da loja e do dia, assim mo confessou, cruzei-me com a Xana que ia a entrar. Aparece sempre que estou às compras. Riu-se e disse-me: Olá vizinha ( não deve saber o meu nome ) sempre carregada, sempre carregada... dei-me conta assim, que não sei andar folgada e de mãos a abanar, e portanto ponho-me a jeito para procurar sarna para me coçar ou lenha para me queimar. 
E foi também por isso que do nada (?) ontem,  passei o dia entre ais e uis, cheia de dores na omoplata, braço e pescoço que até vi jeitos de não poder fazer a minha caminhada, domingo, em Lisboa. E o pior é que já paguei a inscrição. Tenho p'ra mim que de costas ou de barriga hei-de atravessar a ponte...
Quem está feliz que só lhe falta bater palmas e dizer-me - Dá cá mais cinco, é a dona Pitanga que tem pedido colo todo o santo e repousado dia, mas não satisfeita, pede comida  olha-me como se me adorasse.
Em dia de greve, tudo acontece um pouco ao sabor da corrente. Mais logo vou ter de sair. E subir o viaduto. É já a minha sina e disso não me queixo. Assim como assim, são 600 metros, segundo o Luís M., e se ele o diz eu acredito. Só de viaduto andarei 1.200 metros mais cerca de 2 kms para cada lado, portanto,  mesmo que não vá andar à noite terei a minha conta de exercício. 
Amanhã, será outro dia. E partirei para fim de semana. Ufa! E que fim de semana...

3 comentários:

nuno medon disse...

olá. Conhecendo-a como eu a conheço ( pelo pouco que leio aqui ), nunca se vai sentir deprimida quando a reforma chegar. Pelo que entendi, não tem carro, mas a pé e de transportes, chega tão longe como a maioria das pessoas. A minha Mãe quando chegou a reforma, não se sentiu deprimida. Começou por ocupar as tardes ou as manhãs, com idas á natação e ginásio. De há uns anos para cá, de manhã trata da casa, e de tarde é que dá os seus breves passeios...ou ir tomar café com a sobrinha, ou passear com primas ou um casal amigo e claro, os shoopings. Quando a Maria Clara se reformar, vai ter mais tempo para passar uma semana aqui, outra ali, outra acolá. Deprimida jamais. isto é em resposta ao que li em cima ( quando se reformar, vai sentir-se deprimida ). beijos e um bom descanso. sou esquisito mas a imagem de culinária que vejo mais abaixo, deu-me água na boca.. espero que esteja bem. beijos e um abraço

Maria Clara disse...

Obrigada Nuno. parece-lhe bem a fotografia da cachupa, porque é mesmo bom. Muito bom esse prato caboverdiano.
Um abraço e tudo de bom. :)

nuno medon disse...

olá. se calhar já comi mas se comi, já não sei. Tenho uma tia-avó em Paço de Arcos, que acho que nasceu em São Tomé e príncipe e quando lá vamos, apresenta-nos um prato novo. Penso que já comi lá isso. A tia-avó cozinha muito bem, só é pena ela não viver no Norte e faz doces como ninguém...lol. E viveu muitos anos em São Tomé e Príncipe. beijos. espero que esteja bem. eu estou bem. um abraço