domingo, 7 de agosto de 2011

abordagem estranha II

Dirigi-me à caixa do multibanco. E após recolher as magras notas que tinha pedido, voltei-me para agarrar no saco e no computador. Uma mulher naquela idade que não sabemos quantos anos tem, mas os suficientes para sabermos que é bem mais velha que nós, ou se não é, está muito maltratada pela vida, diz-me:
- Minha senhora, minha senhora peço-lhe que me ajude. Por favor...não me abandone aqui...com as mãos postas e lágrimas nos olhos.
- Diga lá...
- Ó minha senhora nunca me vi nesta situação, que desgraça!!! a minha nora teve que vir para Lisboa de ambulância de urgência e eu acompanhei-a. Cá ficou. E eu julguei que os bombeiros me levariam de volta mas eles dizem que não podem transportar-me. Deixaram-me aqui e que voltasse de autocarro para o Cartaxo. Sabe eu sou de Sobral de Monte Agraço, mas estou a viver com a minha nora no Cartaxo, quer dizer, numa aldeia de lá. Vim sem dinheirinho nenhum, às pressas. Já uns senhores me deram dois euros. Dê-me só um eurinho por favor, se tiver.
Tive tempo para pensar que podia ser uma grande tanga. Tive tempo para lhe dizer que não tinha dinheiro e dar meia volta. E tive tempo para a ouvir. Procurei o meu porta-moedas preto com dizeres em suiço, que trouxe de lá como recuerdo e que me tem feito um jeitão, pois é lá que guardo tudo quanto é moeda, mas que me ia fazendo perder um avião para França só porque apitou e tive que procurar, ficar para o fim, mostrar, passar de novo etc, etc...aquela história do costume.
Sabia que tinha 15 euros em moedas. Sei que hoje para andar em Lisboa é preciso muita moedinha, que os preços dos transportes públicos já galoparam, assim num cavilhar, cavilhar, como a anedota do menino joãozinho, que nós é que estamos já cavilhadinhos. Pensei que um euro, dá-se a um arrumador, e nós sabemos exactamente para onde é que esse euro vai direitinho. Só damos com medo das represálias no belo do carrinho, mas damos. Então porque não? A história merece um euro. E abri o porta-moedas. E as moedas de um e dois euros a rirem-se para a mulher. Tirei uma moeda de um euro e outra de dois e pûs-lhas nas mãos.
- Ó minha senhora, Deus a proteja e guarde. Muito obrigada. Olhe, conhece o Cartaxo?
Oh se conheço!!! Ao longo de uma vida, ouvi falar do Cartaxo, de alguns dos seus habitantes, e fui conhecer uma rua e uma casa, assim num de propósito que tinha que ser, que " era a rua onde eu vivia " e tal e coiso " e a escola onde eu estudei, e os amigos que viviam aqui e a quinta para onde ia brincar e "...
Oh se conheço o Cartaxo!!! As pastelarias da rua principal e a churrasqueira duma família de Angola, ela uma senhora loira toda posta por ordem, muito simpática, ele um homem com ar pachorrento, de chinelos e calções, e o filho. O filho, aquele adolescente que numa aula de química, sobreviveu a uma explosão e que ficou queimado e deformado. E depois da mãe ter ido embora e das inúmeras operações, ali servia às mesas. E o quê que servia, para além de muitos pratos que qualquer restaurante oferece? Moamba de galinha com funge de bombô. Nessa época em que eu ia ali de propósito, ou parava a caminho de Lisboa, aos sábados, para comer, não conhecia mais nenhum restaurante onde se comesse moamba, senão em Almada, mas ficava fora de mão. A cozinheira era uma mestiça simpática, o garante de boa comida...
Oh se conheço o Cartaxo!!! Acho que há alguns anos que não vou a esse restaurante, mas de repente bateu uma saudade. E porque assim foi, olhei-a e pensei: que se lixe, se me estás a enganar ( acho que não estava )o universo se vai encarregar de ajustar essas contas, e perguntei:
- Quanto dinheiro lhe falta para o bilhete?
- Assim ficam a faltar 2 euros. Custa 7 euros.
- Tome lá o resto, escusa de andar a pedir a uns e outros. E dei-lhe mais 2 euros. - Ó minha senhora, obrigadinha, eu sou a Eugénia do Frutos Almeida do mercado do Cartaxo. Se fôr ao cartaxo e perguntar no mercado por mim, logo lhe dirão onde estou, vá lá que lhe pago este dinheirinho. Agora vou tomar o meu comprimido. Deus lhe dê muita saudinha...
Aconteceu assim. Não sei se fui enganada, agora não interessa nada, mas enquanto escrevia pensava que deveria ter ido com ela à bilheteira e solicitado o bilhete e logo ali via se era uma impostora. Mas...já lá vai. Pode ser que um dia passe no Cartaxo para comer uma moamba no restaurante o Ribatejano, salvo erro era esse o nome do dito e me lembre de perguntar pela senhora Eugénia do Sobral de Monte Agraço,( aquele lugar que já tem parque infantil )... e que vive com a nora e trabalha no frutos almeida, que eu até julgava que só existia em Lisboa, uma delas, na avenida de roma, e que tem uns pastéis de massa tenra de comer e chorar por mais...

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