quarta-feira, 3 de agosto de 2011

aconteceu


- Quero renovar a carta de caçador.
- O bilhete de identidade?
- Carta de cidadão.
- Então e há muitos coelhos?
- Jesus, carago, se há. O mato está cheio deles. Mas eu não gosto de coelhos.
- Ai é?
- Ganhei nojo deles. Estão cheios de moléstia. Essa malta, come tudo. Eu não. Antes quero pardais de trigo. São do melhor, para o petisco.
- Pardais? - completamente incrédula.
- Pardais sim. Lá do meu quintal. Tenho lá uma rede. Apanho aos duzentos. É cá um petisco!
O estômago, sensível, embrulhou-se-me todo, recordando Carlos do Carmo, parecem bandos de pardais à solta, os putos, os putos... e imagino já 200 putos apanhados numa rede para serem fritos.
Já pouca carne como, coelho, nem manso nem bravo, nem a saber a carqueja, nem a saber a farinha, aves pequeninas, nunca.
- Há quem dê carqueja aos coelhos de casa para saberem a coelho bravo. Eu não gosto. Dou-os todos.
- Então mas se não gosta, porque é que os caça?
- Por causa dos tordos. E para me distrair e dar uns tirinhos. Olhe, andei há tempos a trabalhar numa obra do cemitério e havia lá muitos pardais de trigo, verdilhões e pintassilgos. Com uma luz e um bocado de enxofre, íamos lá à noite. Era só apanhá-los.
No cemitério, à noite. Sinistro.
Devo ter feito uma careta tão enojada que o homem riu-se e disse a seguir:
- Já de enguias, também não gosto delas. Parecem cobras.
- Também é pescador?
- Sou, faço tudo para estar entretido. Vou muito para o Tejo. Ali para a ponte da Chamusca, para a Barquinha, Castelo do Bode e também vou para o mar.
E lá foi a rir-se divertidíssimo com a minha repugnância e espanto por tão violenta forma de se divertir.

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