domingo, 21 de agosto de 2011

viagem de domingo

foto tukayana.blogspot Não escolhi andar de comboio, de autocarro, de metro ou de eléctrico. Foi uma saída, a única, para não me deixar em morte lenta dentro de casa, até definhar completamente de tanto andar às voltas, pelo meu pé e pela minha cabeça.
Tenho muita culpa. Mas não tenho a culpa toda. São opções, imposições, prioridades, cobardias ou desvalorizações, na falta de opções. E aqui estou eu sem conduzir.
É domingo e tenho um encontro marcado para almoçar, por volta da uma.
Preciso de ir para os lados de Alcântara. Tenho várias possibilidades. É obrigatório ir a pé até ao senhor Roubado para o metro. Ou para o 36. Taxi está fora de questão, ainda que atravessar a cidade seja mais rápido ao fim de semana.
A manhã está encoberta e o tecto baixo e carregado. Sopra um vento fresco. No saco o biquini; sempre o biquini azul turquesa, e o pareo. Pode ser que dê para o estender, para me estender, na areia da praia. A praia e eu andamos de costas às avessas, desde que fui uns dias ao algarve.
Enquanto espero que o semáforo mude para verde, mudo de idéia. Decido ir de autocarro. De 36. É mais caro 70 cêntimos, e mais lento, mas entro na cidade e percorro-a. Vejo-a. Sinto-a. Vale.
A semana passada, uma amiga foi buscar-me de carro, para almoçarmos em Belém, num restaurantezito simpático de pitas/ quebab e outros, mesmo ali ao pé dos célebres pastéis de nata, a que ouvi chamar num sotaque de emigrante francês, de " natas ", mãe para filha no comboio Cascais/ Lisboa, quando passávamos por Belém, - amanhã havéramos de ir ali às natas, é perto e vais conhecer, aquilo é giro - e acabámos, eu e a minha amiga, às duas da manhã, a conversar em frente à minha casa e não fosse a polícia andar às voltas pelas ruas do burgo, com a sirene ligada como se andasse atrás de algum malfeitor, com a pedalada que estávamos para pôr a conversa em dia, e teriamos visto o dia surgir.
Chega o 36 para o Cais do Sodré. O outro que termina no Rossio levara as poucas pessoas que esperavam, na paragem.
Apenas 3 passageiros vêm de Odivelas. Uma velhota que vai à minha frente e usa um chapéu de inverno, preto. Uma rapariga negra que se abanica toda, num gingar de ombros e cabeça, ao som que lhe sai dos fones, e um indíviduo caboverdiano que segue atrás dela e que esteve a falar crioulo ao telemóvel, por isso sei que é caboverdiano. Veste uma camisa com motivos geométricos, preta e branca, e olha divertidamente para tudo com o olhar de quem gosta de cá andar.
Eu também gosto. É domingo e hoje não tenho a viagem de volta ao tarrafal ( ribatejo ). Lisboa é linda e calma nas manhãs de Agosto. Zeca Baleiro canta-me ao ouvido, à flor da pele, e apela a que cante com ele e me arrepie na melodia. Gosto de subir a calçada de Carriche e chegar ao Campo Grande, vinda por dentro do Lumiar. Vê-se coisas que de automóvel nem percebemos. O lago do Campo Grande está triste e desprezado. Já não se vêem gaivotas sendo pedaladas por pais, nem as crianças gargalhando felizes. Apenas duas adolescentes, na relva, jogando um ténis de trazer por casa, ou seria badminton?
Ainda não entrou nem saiu ninguém do autocarro. No Monumental, pára, nos semáforos. Paulo Flores inicia o seu Poema do Semba. E eu que já estava à flor da pele, perante este " é a voz que me faz suportar, orgulho em ser angolano...o semba, semba é nossa alegria, é nossa bandeira, é esperança, é amor...", fico com uma lágrima no canto do olho. As manhãs frescas e tranquilas dos domingos na cidade que eu gosto, me faz sentir que também pertenço aqui. Não me falta nada neste momento. Já tive momentos assim, muitos, e sei exactamente o que é isto. É um tempo consciente de breve e efémera felicidade. É esse pequeno e sentido momento em que como um polícia sinaleiro no trânsito, manda parar o tempo, como que num intervalo. O descanso do guerreiro. Estranhamente, este sentimento tão profundo, acontece em viagem. Algumas viagens. O sô Santos surge nas minhas lembranças. Não conheço ninguém que sinta as viagens como ele. É... Ele era feliz, nos domingos a caminho da praia, lá para as bandas da Corimba ou Morro dos Veados, quando distribuia por todos nós, rebuçados de mentol que saiam dos bolsos cheios de vontade de ter a família feliz. Ou a caminho da Barra do Kuanza. Ou à vinda da Barragem das Mabubas, com paragem no Cacuaco, nas marisqueiras cheias de gente, que ouvia e dançava nas tardes dançantes, ao som dos conjuntos musicias da cidade. É... Pensar e viver domingo em alegria é lembrar a minha família quando todos eram viventes. Quando todos eram felizes porque não sabiam que um dia a felicidade tinha de ser inventada, recriada, construída, fora de Angola.
Entra agora Coldplay a dizer-me " Don't panic " e mais uma vez em viagem por esta Lisboa fora, a caminho do Marquês de Pombal, eu me vejo na minha primeira viagem de 7 horas a caminho de Luanda, ao fim de 33 anos, ouvindo esta banda fantástica que as minhas crias viram ao vivo e me fizeram ouvir e gostar tanto. Don't panic, sabe-se lá porque razão, talvez porque era a primeira vez que voltava a Luanda depois da partida em 1975, e porque era um desafio a mim própria pelo contexto em que voltei, don't panic calou, ou melhor gritou, ecoou, fundo em mim e ficou para sempre como a música da minha viagem a caminho de tocar o céu com a ponta dos dedos.
Rapidamente vôo na imaginação e quando dou por isso já desço a avenida da Liberdade. Deixando o Marquês para trás, com o seu movimento de autocarros vermelhos de 1º andar descapotável, apinhado de turistas desejosos de verem a cidade do alto do percurso escolhido para turista ver. Não sei se vê e gosta. O ano passado eu armei-me num deles e tentei gostar. Não gostei. O motorista parecia ir apagar um fogo qualquer, nada que se parecesse com os percursos semelhantes, que fiz em Paris e que me permitiram ficar com uma idéia do que era a cidade luz.
Junto aos Restauradores o cenário é diferente. Muitos são os turistas, de calções, havaianas e pele côr de camarão cozido. Mapa na mão e sorriso desenhado, no rosto. Junto ao elevador da Glória são mais que muitos aguardando que este desça. Eles nascem na baixa como cogumelos, neste Agosto estranhamente diferente pelo tempo e pela mudança. Será a troika culpada disso? Haja quem responda, porque eu não falo de política.
A minha viagem está quase no fim. Rossio, rua do Ouro, praça do Comércio, largo do município e finalmente Cais do Sodré.
O sol dá um arzinho da sua graça. A cidade é linda, está linda e não percebo porque razão há quem não goste. E não perceba que eu goste. E diga que se cá estivesse ia-se logo embora.
Cheguei. Daqui vou encontrar-me, para almoçar, com uma pessoa linda e que amo de paixão.
Junto ao mar...ao domingo, se estou de férias, o dia é perfeito.

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