Onde estou?
Puxo o lençol. Tapo a cara e ponho a descoberto uma alma sedente de sol. São os primeiros raios entrando pela janela, no tecto.
Há uma gaivota esvoaçando por cima da minha cabeça, por cima do sótão da casa. Por cima da minha noite pequena.
Parece lhe estou a ouvir o chamamento para o dia. Para o rio já ali, que até parece lhe posso olhar a partir daqui. Parece me está a chamar para me debruçar à varanda e inspirar o ar conseguido da manhã.
Sem pressas, nem relógio marcando tempos programados, repetidos, escusados, oiço o sino da igreja próxima. Parece desperta acordes em mim, sem fim. D' um passado que não tenho por aqui. Parece quer provocar arrepios de pele. Parece quer inventar borboletas brancas esvoaçando. Cânticos. E coros, cantando-os.
E oiço vozes de gente pequena brincando na travessa empedrada do bairro que adivinho daqui porque lhe vejo as escadinhas, subindo para a tradição do fado, da boémia e inspiração, dos mais velhos.
É sábado e isso muda quase tudo. Até a vontade de permanecer deitada, pés doridos da caminhada da noite, verdadeira empreitada de obra muito apreciada. Até a preguiça reinante, merecida e desejada.
Porque é sábado, este dia assinalado no século de então, perdurando através do calendário do tempo e dos homens, comemorado com orgulho e abnegação, há uma luz, semáforo verde da minha esperança de o passar tranquila e em segurança. Sinal perfeito para um dia com tempo de história, de pátria de quem a ela pertença. Mote para a contemplação, para a alegria e para os pequenos nadas que o tempo de agora oferece de bandeja, outono mascarado de verão. Puxo o lençol. Vermelho, de moderna forma de estar. Gosto disso. Aprecio quebra de tradições e costumes.
Deixo o rosto a descoberto. Olho o tecto falso deste laço verdadeiro que me prende ao espaço, ao bairro, ao ser que aqui respira noite e dia e sinto-me pronta para mais um dia. De sábado. De amor. Nesse laço eterno na minha eterna forma de sentir, prendendo e desatando a vida e quem pari.
Onde estou? No lugar onde o universo me coloca para me brindar. Na rota do amor mais puro. Na curva da sua chegada. E aqui quero permanecer enquanto for sábado. Também por o ser...
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