terça-feira, 22 de outubro de 2013

a saudade

Lá longe, aonde eu nasci, a vida vivia-se, saboreando-a devagar.
Naquele tempo, o dia tinha mais de vinte e quatro horas, a semana mais de sete dias, o mês mais de trinta e um e o ano era a perder de vista, de vida boa. 
O amor e a amizade eram sentimentos sagrados porém banais. Espalhados pelos lares, pelas ruas, pela família. Em cada esquina. 
Amando era a única forma d' a gente saber viver.
Estava no tempo de vida fácil. Amava porque era implícito, copiando e repetindo esse amor que via a cada dia, a cada gesto, a cada abraço e beijo. Em casa.
Que saudade desse tempo!
Nessa época, o pai que deixara a sua terra há muito, alimentava a saudade falando da sua infância. Da sua adolescência. Da sua aldeia. Dos seus pais e irmãos que deixara para trás. Dos campos e serras. Da horta. Das oliveiras e dos rebanhos de ovelhas e cabras. Dos fumeiros, dos folares, dos figos lampos e das cerejas. Das castanhas e das sardinhas. Das missas e das procissões. Das festas da Senhora de Jerusalém. Dos banhos no rio Sabor. Dos lobos e raposas. Da caça aos pássaros. Dos ninhos de cobras. Dos carros de bois. Das viagens à cidade grande. Das idas a cavalo num burro, para Espanha, negociar gado. 
Das peças de teatro, no Cruzeiro lá da terra, onde fora actor principal. Das serenatas à janela das raparigas, cantando cantigas de amor. 
E eu ouvia as histórias. Imaginava esse tempo e rejubilava. E não só me via lá nos lugares que não conhecia, como sentia saudade de algo que não vivera. Ainda.
Porque a vida era de amor e facilidade, aos domingos, rumava à praia para um dia maravilhoso de sol, ondas e banhos salgados. 
Diversão e companhia. Iguarias. E três horas esperando, depois delas, para fazer a digestão, que o pai não brincava e o medo de me perder era demais, por isso tão rigoroso. E eu obedecia. 
Sentava-me na areia, ao sol, na praia da Samba, em frente ao mar e olhava os barquinhos ao longe. E cortava a linha do horizonte com a força da ambição de avançar no tempo. E sonhava com a terra do pai. As pessoas do pai. Os teatros, as serenatas, a horta, os montes e serras e as ovelhas e pastores. As vinhas, as estevas, as fontes, a capela, os ribeiros e riachos. E sentia uma estranha sensação de saudade. D' um mundo desconhecido. Que nunca vivera. Que no íntimo queria muito conhecer. E amar. 
Foi entre histórias do passado, sonhos do presente e desejos do futuro que aprendi com o pai, esse sentimento universal. Uma palavra tão portuguesa. Intemporal. 
Por isso hoje sei que a saudade vem da perda de algo que a gente gosta e já viveu. Ou da ideia de que irá gostar e viver. Perdendo ou não...

Sem comentários: