No poupar é que está o ganho, diz o povo há séculos. De tal forma que passou a ditado.
E passou a ditado, tenho para mim que, porque o povo tinha mesmo que acreditar nisso.
Não é fácil uma mãe dividir em três, uma sardinha. Vamos que todos gostam da cabeça? A pobreza de braço dado com a poupança,pode ser igual a uma guerra familiar, desilusões e muitas interjeições. Violações e reclamações.
Também passou a ditado, digo eu, porque o povo era pobre mas digno. E transformou a poupança numa coisa boa para justificar a sua pobreza digna. O pior era aquele que escondia o dinheiro no colchão e nem comia nem dava a comer para ter o prazer de contar as notas da sua poupança. Avarento era o que ele era, mascarado de poupado.
Há também aquele que não come fora de casa, não vai ao cinema, não faz férias na praia, não viaja, não dá presentes a ninguém, não responde ao apelo de um mendigo,não liga o aquecedor ou a ventoinha, quanto a ar condicionado nem pensar, não toma banho com a água quente a correr,não compra livros nem jornais, enfim, um verdadeiro poupado. Conheço uma palavra que rima com poupado que é, castrado.
E aí, vejo-me hoje castradíssima na minha condição de cidadã da classe média baixa, deste país.
Pensar eu que em 1975 quando aqui cheguei e descobri que a maior parte das cozinhas portuguesas tinham caixas de fósforos com os mesmos dentro, mas já utilizados e não percebi porquê, reagindo naquele jeito único de quem é novo e não pensa, que, esta gente é maluca, nunca tal vi na minha curta e confortável vida de gente nascida e criada numa terra onde era quase tudo à grande e à francesa,e perante a explicação ficava-me a engolir em seco e a confundir miséria com pobreza, poupança com ganância. Depois dei comigo a ver a minha querida mãe acendendo também ela a boca de um bico do fogão com um fósforo já ardido e que reacendia noutra boca onde cozia o feijão, as couves ou o arroz e a aceitar essa poupança como a única saída para escapar à dita miséria.E entendi na perfeição...
Acho bem que se poupe. Um dia destes, quer dizer aí há uns quatro anos, quando uma das minhas crias fez anos, fomos jantar num lugar muito agradável de Alfama, lugar conhecido dos artistas, jornalistas e gente de outras listas da sociedade lisboeta. Até aqui tudo bem. Surpreendente foi comer cascas de batata, fritas e temperadas com ervas.Como entrada. E gostar. Ora toma lá uma passa maria clara que é para aprenderes! Não é que é óptimo? Afinal, não gostamos nós de batatas a murro? Então? E não é que quando descasco batatas ponho as cascas de lado para esse petisco? Só que já ninguém vai em fritos cá em casa e desisto. Como não tenho porcos nem galinhas, as cascas vão para o lixo. Mal feito. Desperdício. Era mais uma refeiçãaoozita.
Hoje, em dia Mundial da poupança, dei comigo a cozer peixe. A retirá-lo da panela da cozedura. Até aqui tudo jóia. Sei que há quem não goste de peixe cozido mas pronto, isso são apenas gostos, sabores, apetites ou desvalorizações. O curioso é que tanto nos martelam o cérebro com a necessidade de poupar, ele é tantas medidas de austeridade, tanta crise, tanto bolso cheio de ar que de repente dei comigo a sentir-me culpada de despejar no ralo, a água onde cozeu o dito peixe que por acaso é pescada e aqui que ninguém nos ouve, detesto. Só vai se for fingida, ou com puré de batata e maionese no forno. A água de cozer pescada, abomino. Hoje chegou-me a culpa de desperdiçar algo que daria um caldo quem sabe saboroso, se acrescentasse uma cenoura,uma cebola, tomate cortado em cubos e até uma massinha e polvilhasse com salsa. Amanhã quem sabe estou já a fazer a dita sopa e a sorvê-la com toda a alegria de ter entrado no espírito da coisa que é - no poupar é que está o ganho.
Mas sinceramente, olho para a minha vidinha e não vejo onde posso mais poupar. Não vou à esteticista como quase todas as mulheres. Nem ao cabeleireiro senão para cortar o cabelo. Não fui de férias. Ando nos transportes públicos, não compro roupa nem calçado nem acessórios há mais de 300 anos, o meu rico perfume está de restos, se o Natal não me resolver esse problema é um problema que fico com ele mesmo, não dou festas,não bebo álcool, não fumo, não, não, não...tanta negação ao consumismo e ainda assim é o que se vê. Eh pá, apetece-me dizer com alguma rudeza que uma gaja não é de ferro. Caraca!
Hoje, em dia mundial da poupança, medito e chego à conclusão que já os meus antepassados chegaram há muito tempo, noutro século. Desperdiçar é um acto indigno e criminoso. Acrescento que,dado o contexto actual, punido com uma pena pesadíssima.
Por isso apetece-me ser livre, enquanto posso e tenho voz, de dizer que não é por mim que o barco vai ao fundo mas que me sinto a naufragar, sinto, e isso é também um crime que não cometi e injusto por isso pagá-lo tão pesadamente.
Viva o dia de hoje transformado em todos os dias que virão, mas com um aviso, em jeito de slogan;
Poupança sim, miséria não!
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