segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Nem sempre o céu é o limite


- Gostas de mim?
- Gosto.
- Gostas quanto?
- Muito.
- Muito quanto?
- Muito.
- Mas muito quanto?
- Para lá de quatro céus.
Fosse eu quem estivesse a ouvir esta bela, pura e eterna, sim eterna, afirmo-o sem risco de errar, declaração de amor, de alma gémea, que aposto vem de outras vidas em conjunto e prosseguirá por quantas vidas forem necessárias e ficaria para lá de quatro céus.
Para além do, amo-te, vulgar, corriqueiro e nem sempre verdadeiro, o máximo que já me foi dito e ainda assim me levou ao céu, foi um, gosto, tanto, tanto, tanto de ti, que acho que te amo. Arrasou-me. Derreteu-me. Transformou-me. Prendeu-me. Comoveu-me. Subi ao primeiro céu. O visível. Não sabia que havia mais...
De vez em quando falo da família.  Do pai e da mãe. Dos irmãos. Mano Zé e a caçula que se chama Ana Paula. 
A minha caçula nasceu quando eu tinha 13 anos. Assumi o papel de mãezinha mais do que de irmã. E amei-a sempre. Num amor maior que o universo. Maior do que todas as eternidades que possam existir.
Cresceu sob o meu olhar. Quis sempre protegê-la mas não consegui. Teve azar. A nossa mãe ficou doente muito cedo, era ela adolescente. E foi filha, foi mãe, foi enfermeira da própria mãe até ao fim e o fim foi muito doloroso.
Depois seguiu-se o pai. E foi tudo igual. Filha, mãe, enfermeira. 
Depois foi viver a vida dela. Casou com o único namorado que teve desde a adolescência. O amor da vida dela. O amor da vida dele.
Estava a viver a sua vida, o seu amor, quando foi surpreendida por uma doença. Crónica. Superou. 
Há cinco anos atrás, no dia de hoje eu não estava de braço ao peito. Estava de coração desfeito com uma separação que ocorrera de forma definitiva no mês anterior e após vinte e sete anos de vida feliz. 
Almoçara e recomeçara o trabalho no tribunal quando o telefone tocou. 
A voz da minha caçula na forma de choro convulsivo fazia-se ouvir.
Retive para sempre a frase: Mana, o Paulo está a morrer.
Até perceber o que achava impossível pela dor que isso me provocava, pela surpresa, pela tragédia, demorou algum tempo.
Segui para o Hospital de Torres Novas. E depois, ambas seguimos para Santa Maria.
O helicóptero do INEM seguiu também levando o Paulo que fora interveniente num brutal acidente que o deixou quase à beira do inferno que estava a ser esta dura realidade.
Foram meses de coma. Foram esperanças mortas pelos próprios médicos de Santa Maria. 
Mandaram-no para o hospital de Torres Novas por não haver nada a fazer. Em coma 4.
A caçula, minha irmã querida, filha, amiga, heroína, nunca desistiu. Dizia-lhe que ele tinha que continuar porque tinham que partir juntos.
Passaram cinco anos. Passou por Leiria, por Gouveia e está em casa há mais de um ano. 
As lesões foram graves. Muito.Lutou sempre. Luta todos os dias. 
A caçula luta ao lado dele. É a sua mulher, amiga, irmã, enfermeira. É tudo para ele. 
O Paulo tem hoje quarenta e quatro anos. É um herói.
A minha caçula e o Paulo são duas estrelas que brilham na terra e que se amam para lá de quatro céus.
Ele faz-lhe declarações de amor de um verdadeiro poeta. Porque um poeta como ele tem o amor na pele, na boca e no coração para toda a eternidade. Para lá de quatro céus.
Sábado, à semelhança de outras vezes, ela perguntou-lhe:
- Gostas de mim?
- Muito, respondeu.
- Muito quanto?
- Não sei.
- Não sabes?
- Não sei...Muito.
- Muito quanto?
- Muito para lá do que não sei.

Esta é uma história de amor, perfeita, de dois seres imperfeitos numa vida fatalmente imperfeita. 
Eu sou especialmente grata por ter estas duas estrelas na minha vida.
Para vocês, meus heróis, força e uma vida longa e cheia de amor, sempre.
Amo-vos para lá de quatro céus e muito para lá do que não sei. 



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