- Deu-te alguma coisa?
E só o facto de poderem pensar que tive ali um episódio qualquer de tontura, sintoma vertiginoso, perda de conhecimento ou pior, um AVC, põe-me a cabeça à roda, a pele fria e o coração aos pulos, numa taquicardia incontrolável.
Isso, salta pocinhas é o que tenho sido a vida toda com excepção para os anos de criação de filhos que tinha de estar atenta e com as cinco oitavas no lugar.
Mas sossego o coração pois sei que não me deu nada, senão pressa e o atrevimento de acreditar que nada de mal acontece quando vou cumprir a minha obrigação de funcionária pública, mais um dia, todos os dias, há tantos anos...
A gente ouve que se paga pela língua. Não quero acreditar que ao longo da infância e da adolescência, sentada no muro de casa, porto de abrigo, porto seguro como mais nenhum, ou empoleirada noutro qualquer lugar da tresloucada e inconsequente idade da fantasia e alegria de viver, quando alguém se espalhava ao comprido, quedando-se à minha frente e eu ria troçando com a situação tantas vezes caricata isso ia para o livro do deve e do haver e eu ia pagá-las todas juntas, ou faseadas. É mais por aí....
Aquele euêeeeeeeeee kiakiakiakia ou uóooooooooo, bem feito! tantas vezes repetido, sádica e espontaneamente arremessado sem dó nem piedade na crueldade que os kanucos todos têm, será que ficou registado no dito cujo livrinho das reclamações que o Mais Poderoso deve ter para se lembrar das patifarias que os simples, limitados e por vezes ruins mortais têm?
Não creio. Não que tenha medo de pagar por todos os meus pecados. Não são assim tantos.
Afinal será pecado a gente rir? Sempre gostei de rir. Mesmo de mim. Mesmo se é um sorriso amarelo. Vale mais que chorar, não? Chorar tem uma cor amorfa que nos acinzenta ou enlutece. Quase sempre...
Nas vezes que escorreguei e caí, houve algumas que não me aleijei e até foram divertidas e se se riram não os condeno, em nome dessa facilidade que sempre tive para gozar o pagode à conta dos tralhos alheios.
Se queda fizesse parte do curriculum de cada um, o meu era rico e vasto.
A primeira de que tenho memória foi em casa da minha querida Nelas, madrinha do mano Zé que o seria anos mais tarde. Sentada nas escadas da cozinha, fui empurrada pelos pés por uma afilhada dela e rebolei até ao chão batendo com a testa no bico do último degrau. Gritos à minha volta, choro meu, sangue, hospital, agrafos na sobrancelha. O avô Carvalho em fúria, desespero do sô Santos e da dona Celeste, culpa da madrinha Nelas, coitada. Tinha entre 3 a 4 anos. Lembro-me dessa queda como desta última. Como se fosse hoje.
Depois foi um ver se te avias que é uma pressa, e circular é viver, pular, correr e magoar também. Caí correndo atrás dos kanucos da rua, esfolei canelas, cotovelos, dedos dos pés, palmas das mãos. Caí brincando sozinha ou acompanhada. Caia quando montava as cadelas que tinhamos, a fazer de cavalo e elas se escapavam, evidentemente, deixando-me de rabo no chão e chorando que nem uma condenada.
No Colégio, perdi os sentidos. Bati com a cabeça ( nuca ) no chão. Duas meninas, uma de cada lado e eu no meio. Cada uma empurrando-me para a outra. Uma delas saiu do lugar e eu caí para trás. Foi um susto para todos. Bem-feitos!
Cai depois no meu portão da rua Fernando Pessoa empoleirada que estava nele e parti o queixo. Logo de seguida foi o braço, caíndo p'ra cima duma lata de torrar a jinguba.
Caía muitas vezes quando brincava em pares. Um p'ra cada lado, porém presos pelos dedos, rodávamos até à tontura e depois, o espalhanço era inevitável.
Caí do muro comum que separava a minha, da casa da minhas vizinhas, Fatinha, Ana Maria e Hortênsia, e parti um pé. Depois foi a vez da perna. Enfiei-a no caixote do contador da água quando caí do outro muro, abaixo. Nesta fase e também na Fernando Pessoa fui atropelada por um taxista caindo ao chão e apanhando um susto dos diabos.
Depois veio a adolescência e caí muitas vezes. E parti o coração, mas as marcas não são visíveis. Na adolescência as feridas cicatrizam rapidamente quando mergulhamos de cabeça noutra casca da banana para mais um derrapanço. O mundo é um parque infantil e nós queremos é andar no escorrega.
No liceu à saida, naquela espera que os rapazes faziam às meninas do Feminino escorreguei e caí de chapa sentindo um vómito, uma tontura e uma vergonha imensa. Os livros espalhados e as kambas Milú ( Carolina Soares ) e Mena ( Cândida Lima ) gozando com a minha cara. Os rapazes rindo. Eu sacudindo a bata suja; cotovelos e joelhos em sangue e amuada com elas.
Mais tarde, jogando basquetebol no campo de jogos que dava para a Industrial, caí, torci um pé que ficou num trambolho e andei a caminho do Marçal para ser tratada por uma kota cega, de nome Mingas, salvo erro, que tinha mãos de fada; onde tocava, curava. Mas não fiquei por aqui pois que uma manhã a caminho do liceu com a Arlete Costa, minha colega, fui atropelada pela 2ª vez; há quem diga que atropelei uma lambreta e caí ao chão escavacando-me toda.
Depois fiquei adulta. Conheci uma força da natureza, mergulhei de cabeça e mesmo sem fazer o pino, caí de quatro. Ah pois é! Desta queda não quero falar. Foi a grande queda da minha vida e dela todos os amigos têm memória...ainda hoje. Alguns ajudaram a levantar-me como o fizeram recentemente na catastrófica e infeliz queda, do mesmo tipo, a maior, por não estar nada à espera e já estar fraca das canetas. Não há dúvida de que tenho jeito, ou ponho-me a jeito para a queda...
Como senhora dona já me aconteceram tralhos de toda a espécie. Nas escadas de madeira da casa dos meus pais, em T. Novas, com um pacote de açúcar na mão e umas socas nos pés, uma pressa de fazer um bolo de aniversário para a dona Celeste e zás, aí vai disto. Magoada mas doce pois que o açúcar se espalhou e fiquei em ponto de caramelo.Chorando que nem uma madalena.
Cai com a minha filha ao colo no meio da rua. Num parque infantil com o meu caçula ao colo. No tribunal de torres novas em plena secretaria. E mais um vez os joelhos a sofrerem com o meu descuido ou má qualidade dos sapatos. Sei lá eu!
Já caí nas escadas do tribunal de Alcanena e fiz uma ferida nas costas assustadora. Já caí numa banheira de hotel, no Porto. Na banheira da minha casa. Na minha cozinha do Olival, num fim de ano que até fiz a espargata e temi já não chegar ao ano seguinte. Caí nas escadas rolantes do Oriente com um troley numa mão e a gateira com a Pitanga, noutra.
Caí em Trás-os-Montes, nas escadas sem luz dum restaurante e escavaquei o pulso e mão.
Caí em frente à Rodoviária de T.Novas e fui socorrida por estudantes. Caí também na rua, na Póvoa de Stº Adrião quando ia às compras e fiquei sem sandálias, sendo que a minha cria teve de comprar-me uns chinelos de borracha para seguir caminho. Caí à saída da antiga casa da minha cria mais velha, ali na Calçada da Pampulha, ficando com o rabo na entrada e as pernas na estrada. Caí a subir estas escadas da casa nova, logo no dia em que vim conhecer a casa.
E por fim, caí na rua em torres novas num tralho que não me fazia falta nenhuma nem para meditar porque não tenho grandes culpas no cartório e não encontro justificação para ajuste de contas pois que há muito deixei de troçar de quem cai porque aprendi a colocar-me no lugar do outro. Aqui estou de braço ao peito, com uma fractura no colo umeral, com dores quase tão grandes como aquelas deixadas pelos espalhanços que atingem o coração.
Já não estou em idade de me atirar para o chão. Nem tão pouco de ser jogada ao chão por forças sabe Deus, quais.
Já não quero senão sopas e descanso. Mas tão parada como estou agora é uma monotonia que não casa comigo e ter pena de mim própria é um sentimento que não me assiste.
Serei culpada duma vida inteira me pôr a jeito de ir beijar o chão? É castigo? Ou karma?
Seja o que for, estou a pagá-las, a amargá-las e a exorcizá-las.
Gosto pouco de conselhos mas tenho mesmo que me dar um, uma vez que tenho queda para a queda:
Abre os olhos...maria clara!
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