sábado, 6 de outubro de 2012

a Baixa

Sempre quis viver na Baixa. Sentir o coração da cidade E o seu pulsar.
Há no centro das cidades algo de mais autêntico. Antigo. Do passado.
Abri a janela deste duplex moderno, metido num prédio antigo. Debruço-me. Parece que oiço a travessa antiga falando de tempos longínquos. A caminho do fado na Mouraria. Ou guardando a cidade a partir do Castelo. Ou caminhando para os miradouros.
Ouve-se a língua do povo falando com a criança, com o cão ou com o velho; ouve-se a voz do turista falando francês, espanhol, inglês.
Ouve-se o sino da igreja  a cada quarto de hora. E as gaivotas que vêm do rio. Ouvem-se também  as sirenes das ambulâncias.
Ouve-se uma bola batida por um puto, contra a parede do prédio em frente. Do interior duma casa ouve-se Quim Barreiros.
Apago a luz do candeeiro. O sol surge de mansinho a enfeitar a manhã.
Os vizinhos do lado acordaram. Abriram a varanda ao Jeremias, o gato partilhado entre eles e o antigo morador da casa. Julgava que podia entrar pelo portinhola da porta da varanda. Indignou-se. Reclamou na língua felina de gato assanhado. A Pitanga mandou um salto e atiçou-se a ele e a nós. Do lado de cá, claro. Um vidro a separá-los.
Ouve-se um avião passar mesmo por cima de nós. Aqui já o trem de aterragem se soltou. Quem vai lá dentro pode ver as casas, a roupa estendida, até o Jeremias malhado de preto e branco.
O Rossio e a Praça da Figueira. O Chiado, o Cais do Sodré, os Restauradores, a avenida da Liberdade, tudo a 2, 5 minutos daqui.
Sempre tive o desejo de viver na Baixa.
Por acidente vim cá parar. Por acidente, vou cá continuar.
Não vejo a hora de poder descer as escadas sem medos e sem dores e ir beber um chá e comer um pão por deus à Padaria Portuguesa, na Rua do Ouro. Ou subir à Mouraria e avistar a cidade. Ou entrar no castelo para recolher umas imagens de luz.
Afinal, não tive sempre o desejo de viver na baixa pombalina?

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