domingo, 15 de janeiro de 2012

sapateando

foto tukayana.blogspotSão fofos não são?
Estou numa idade em que acomulo muito disparate. Muita coisa boa. E menos boa. Muita coisa gira. Surpreendente. Ridícula. Horrível. Vergonhosa. Vulgar. Inoportuna. Muita coisa desnecessária. Mal intencionada. Sim, também. Surpéflua. Emocionante. Humilhante. Lúdica. Generosa. Obrigatória. Espiritual. Estúpida. Familiar. Egoísta. Atrevida.
Enfim, estou velha...
Há coisas que num passeio no interior de mim percebo que nunca fiz. Que não me atreverei a fazer. Há outras que não fiz e não queria passar para o outro lado da vida sem fazer, e outras há que só não as fiz porque não calhou, mas cabem em mim com naturalidade.
Já ouvi muitas histórias. Gosto de gente com histórias para contar. São pessoas com memória, criativas e ricas. A vida é feita de pequenas histórias que alinhavadas num alinhamento progressivo dá a história da nossa vida. Quisera eu ter oportunidade e desprendimento para tal e ainda tenho nas mãos e na memória muitas histórias p'ra contar que são a coluna vertebral que sustenta a minha alma e fazem de mim o que eu sou. Um dia, talvez, se não for eu, alguém contará...
Pronto, já estou a ficar envolvida no argumento da história da minha vida e a ficar demasiado séria e o caso não é p'ra isso. Esta história é breve, menor que a introdução e nem por isso interessante. A possível. Só a destaco porque já ouvi muitas histórias destas e nunca me acontecera. O sentido prático que nem sempre tenho para as coisas.
Cheguei do Ribatejo ainda de manhã. Nos pés, uns sapatos castanhos. Com salto. Má volta vir p'ra Lisboa de saltos, mas dado que me ia passear por determinada zona da cidade, fazia todo o sentido. Lisboa dá-me saudades. Há 3 semanas que não lhe punha a vista em cima. Esta é mesmo a minha segunda cidade. A primeira já toda a gente sabe qual é.
Saí de Sete Rios e encaminhei-me rapidamente para o metro. Sem olhar para coisa alguma pois o peditório ao fundo das escadas que vai dar aos taxis, é feroz, e eu deixo-me manipular, já sei como é. Dizem-me que têm fome e dão-me um soco no estômago e um vazio na carteira que não precisa de ar. Precisa é de notas para levar com tranquilidade a minha vidinha que quero com qualidade para ser resignada mas não triste.
Passei a sapataria que fica antes da passagem para o metro. As montras apelativas fizeram-me sorrir ironicamente. A 6,90 e a 9,90 todo o calçado da loja. Pensei p'ra com os meus botões e sapatinhos de salto castanhos : Ganda merda devem ser. Mais baratos que nos chineses, ciganos e afins...
Carreguei o cartão e entrei. Ao descer as escadas ouvi um toc toc mais fininho que se fosse voz era de cana rachada. E parecido com aquele som que arrepia, de esferovite, unhas raspando, passos em cima de azulejos. Dentes rangendo. E fiquei toda arrepiadinha. Sentei-me e vi que perdera as capas dos meus ricos sapatinhos. E não pensei duas vezes. Meia volta volver. Saí como entrei, apressadamente, e entrei na loja. A empregada ( catanhó ) falava crioulo com o segurança do espaço comum. Olhei à volta e não vi nada que me agradasse. Pedi ajuda. Por favor, preciso duns sapatos acastanhados, com salto.
- E botas não? - Não. Era o que me faltava. Tenho botas a dar com o pau. As últimas estão por estrear e foram oferta da caçula. Continuam a secar da lavagem que lhes dei depois do banho de licor de ameixa que sofreram no Natal.
-Não. Quero sapatos. Mas podem ser abotinados.
Ela olhou para mim e disse: Chegaram uns que ainda não estão na montra que são a cara da senhora.
E eu entreguei nas mãos de Deus.
Devo dizer que não se pode dizer que desta água não beberei.
Os sapatos? Pois claro, são estes. E são muito fofinhos. Não escolheria melhor. E sim. Também são a minha cara. Eu e as gentes caboverdianas temos qualquer coisa que não sei explicar. Ou sei?
E até aqui nada de anormal, não fosse arrumar os velhos sapatos castanhos de salto, num saco e ficar logo ali de pezinhos novinhos em folha. Por 9,90. Quanto tempo vão durar? Sei lá. Almoçar no restaurante do Corte Inglês foi mais caro e já lá vai. E uma desilusão, pois os empregados já não mandam beijinhos uns aos outros para comunicarem e já não somos tratados com simpatia e delicadeza como senpre o faziam. Na raiva que senti, disse à minha comnpanhia: Nunca mais cá venho - Se calhar vou. Quando me passar.
Ora bem, saí da sapataria, de sapatos novos nos pés o que me deu um gozo de primeira vez que sempre quis ter.
Já não posso dizer que desta água não beberei e que não farei como os bimbalhões que entram, calçam, pagam e vão embora na banga, olhando os seus sapatos novos, inchados que nem pavões.
O que é que sou eu afinal, senão um comum mortal que passa por tudo o que a vida oferece e por vezes pára, experimenta e gosta?
Depois, esta experiência considero-a exicitante na medida em que daqui para a frente não me poderei dar ao luxo de comprar uns sapatos só porque fiquei sem capas e tenho essas frescuras de ficar arrepiada com o som do prego a raspar no chão.

2 comentários:

João Carlos Carranca disse...

gostei. abraços

nuno medon disse...

olá. já tinha saudades de ler um texto da Maria Clara.. quanto a sapatos, quando os compro, opto sempre pelo mais barato possível.. mas como os uso só na primavera, verão, os pares de sapatos duram anos. E só gosto de sapatos de vela. Mas botas têm de ser mais caras e que me durem pelo menos 6 anos ou mais, sem que entre água nos pés. bonitos sapatos. beijos Morenita e um bom Domingo