terça-feira, 24 de janeiro de 2012

60?

- Olá. Vai para Lisboa?
- Sim.
- Ida e volta?- Não. Deixe-me pensar...não, é melhor não, não sei a que horas regresso amanhã. E já por 3 vezes tive que pedir em Sete Rios, que me trocassem o bilhete. Um dia, não trocam..
- A senhora é que sabe. Então e  a reforma?
Anh?! Eu estarei a ouvir bem? O que é que esta sabe a propósito?! 
- Qualquer dia.
- A sério? Estava a brincar. Andam todos a reformar-se, aqui foram 2 num mês. 
- Mas eu não estava a brincar. Um dia destes calha-me. Já podia ser amanhã...
- Mas ainda é muito nova.
- Não sou não. Quantos anos acha que tenho?
- Uns 60.
A mulher é parva? Endoidou de vez. Ia-me caindo tudo para o chão. 60? Mas quem me manda dar troco à loira da bilheteira? Parecida com a Ágata, cantora pimba? Terceira mulher do irmão do meu amigo César?
Até há pouco tempo não conhecia a criatura de parte alguma. Mas ela a mim conhecia-me até alguns pormenores dispensáveis.
- O César manda-lhe um abraço - disse-me ela.
- César? Que César?
- O seu padrinho de casamento. Sou a companheira do irmão.
E foi assim que percebi o que se fala de vidas alheias. À revelia. Não liguei a isso. O meu amigo César que já não vejo há mais de 500 anos, mandara um abraço, era o que bastava. O meu amigo e padrinho de casamento chegara na leva dos retornados, no nunca esquecido ano de 75. De Moçambique. Porque será que de Moçambique chegam ou partem pessoas que me são caras? Já conto várias.
Este ficara com irmãos e mãe numa pensão paga pelo IARN, juntamente com outros, vindos de Angola. Naquele tempo os retornados e os outros, aqueles que tal como eu recusavam esse nome por não o sermos, eram unidos e amigos. Era preciso sê-lo. Eu fui, só porque sim.  

60 anos? A terceira cunhada do César, a cantora pimba, loira da bilheteira deve estar com febre. Só pode.
- Mas eu pareço lá ter 60 anos?! - provoquei, mais do que perguntei, quase indignada.
- Também acho que não, mas como disse que não era nova...Tem o quê? 56, 57?
Piorou. Cala-te bruxa má! Nunca mas nunquinha alguém teve o atrevimento da loira da bilheteira, cantora pimba, terceira cunhada do meu amigo César. Nunca ninguém me dá 56 anos. Ainda hoje me deram 45. Grande lata.
Paguei e fazendo aviões imaginários com os dedos, saí sorrindo e correndo a caminho do quarto de banho. Para enfrentar o espelho meu, espelho meu quem é que parecer ter 60 anos, sou eu?
Fui sentar-me em frente à bilheteira. Ela, a loira da bilheteira olhava-me de soslaio. E eu a ela. Hoje parecia mais do que nunca, a Ágata. Aquela cantora pirosa do Sou mãe solteira, e do Podes ficar com a casa, com o carro, ou ainda, Não és homem p'ra mim...
Bota alta e pontiaguda, calças p' ra dentro, casaco de cabedal e lourérrima. Base, carradas de base a disfarçar as rugas.
60 anos...Um pano encharcado nas trombas!
Finalmente chegou o autocarro que me pôs a caminho dos aviões. Para a capital. Não os dos dedos que tão bem sei fazer desde o tempo dos tambarinos, mas daqueles verdadeiros que nos  levam amores e nos deixam com as saudades, essas sim que fazem ter, não 50, não 60 mas 100, 300 anos, tal são. Mas que também nos trazem de volta esses amores e nos dão alegria e anos de vida.
A loira da bilheteira, qual cantora pimba de vão de escada, terceira mulher do irmão do meu amigo César, nunca saberá o que é isto que sinto, ainda que viva 500 anos. Não sabe o que é respirar com um pulmão e aguentar-se à bronca. Mas também não sabe o que é recuperá-lo. Nunca lho direi. Nem ela o compreenderá ainda que viva mais 100 anos e se pinte a ela e ao cabelo, de amarelo.
Já eu, hoje, estou leve que nem uma pluma e não tenho idade. Ele há dias felizes...

2 comentários:

Anónimo disse...

xiii amiga já passei por isso també.Dá cá uma vontade de mandar uma cuspidela e mandar ir olhar no espelho...
Mas só tu para me fazeres rir!

bjbj

Lena

maria disse...

Percebi-te amiga. Estás peixinho dentro de água. Disfruta.
Bjs