domingo, 22 de janeiro de 2012

viver sozinha


Viver sozinha tem  nuances que distinguem a vida que fazemos, d'outras. Para melhor. E eu não sabia disso até há uns anos atrás. Pior, nunca me apeteceu viver sozinha. Melhor, nem me imaginava numa casa  só p'ra mim. Começa por aí. As divisões todas por minha conta. O quarto de banho. Isso então é uma benção. Porta aberta. Luz apagada, água correndo até apetecer. A cama, senhores, a cama que se desfaz só do lado direito, se bem que ultimamente optei inconscientemente, numa escolha desse eu que já sabe muito bem o que quer e o que lhe dá prazer e conforto por dormir ao meio. Que nem uma paxá. E tem também a sala. A televisão no canal que eu quero. A música no som que eu quero. As janelas abertas como quero. O aquecimento, se quero.
Nada de jornais espalhados. Livros. Cartas de serviços. Pastas. Cds. Chinelos ou casacos. Essa desarrumação guardo-a para uma divisão onde tenho tudo o me faz falta. E ainda me sobram divisões. Para o que der e vier.
Tem também a cozinha. Onde eu sou feliz. Se me apanho em frente ao fogão. Cozinhando só p'ra mim e o que eu quero. Comendo só o que me apetece. Às horas que quero. Na mesa ou no tabuleiro. Na sala ou no quarto. Tudo à minha maneira.
Viver sozinha tem nuances que me agradam. Vantagens.
Olha, vá, acorda que já são horas. Ou, queres que te faça o pequeno almoço? Vou desligar o forno. Queres uma massagem?
Ou então, coça-me as costas. Doi-me a cabeça. Ajuda-me a descalçar a bota. Fecha a porta à chave. Os estores estragaram-se. Vais buscar-me ao supermercado? Quando é que podes marcar férias? Vamos a Lisboa ou não te apetece? Eu queria ir ver o mar...
E tantas decisões, tantos desejos, tantas preocupações, tanta logística   que não nos agrada mas cedemos, que nos agrada e nos privamos.
E ainda há o dinheiro. Este mês preciso dumas calças. Tens tanta roupa, estava-te a fazer falta mais umas calças... E eu dum fato. Agora vou subir de posto tenho de vestir de acordo. A tua mãe faz anos temos de lhe dar uma prenda. mas ela nunca se lembra de quando eu faço anos. Nem sonha, julga que nasci numa chocadeira, por isso...só uma lembrança, e é por ti porque eu esquecia, como me faz a mim.
Apetece-me jantar fora. Esquece. Vamos encomendar um frango com batatas fritas e arroz e comemos cá em casa que fica mais barato.
Viver sozinha é poder dormir num domingo de inverno e sol até  às 10. Levantar-me e fazer flocos de aveia. Fotografar a taça. Entrar no facebook e publicar só porque sim. Fazer aletria para levar à caçula que adora. É falar com a cria mais ausente. Não ter programa e nem por isso me importar. Brincar com a Pitanga. Combinar a tarde. Sorrir...
Viver sozinha tem dias que é lixado.Tem responsabilidades. Muitas. Todas. Tem espaço a mais. Tem silêncio. Tem frio e tem solidão. Tem uma gata para tratar todos os dias. A porta da rua para fechar sempre. 
Não tem ouvidos para a confidência. Não tem sorriso para animar. Não tem braço para abraçar. Não tem lábio para beijar. Não tem voz para ouvir. Não tem alma para compreender, não tem presença para proteger. Porém apesar de ter sido a maior desgraça que me aconteceu em tempos, hoje é a maior benção que aconselho a toda a gente.Nem que seja só uma semana. Um mês. Homens e mulheres.
Afinal, há quem diga que se nasce sozinho. Morre-se sozinho, então porque não viver sozinho?
Partilhar? Fora da nossa casa, faz sentido. Todo o sentido. 
Hoje sobrou-me uma taça de flocos. Alguém quer? Não? Fica para o meu pequeno almoço de amanhã.

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