domingo, 8 de janeiro de 2012

divagações XV

O que dizem os seus olhos?

Tu tomas uma decisão contrariando a ordem natural. Fim de semana em Lisboa. Subitamente, num telefonema, tu decides. Não. Não vou. Sentes até um certo prazer na ideia de casa. Fazendo tudo o que te apetece. Não fazendo nada, até. Um tudo e nada de dois dias no kimbo. Céu limpo. Sol entrando pelas janelas que abres de par em par. Silêncio quebrado pelo aspirador da vizinha de baixo acompanhado de voz feminina que canta - malmequer, bem me quer, muito longe está quem me quer bem. Sorris. Décadas de existência neste lugar e nunca ouviras a vizinha de baixo cantando. Acertadamente. Berrando com as suas crias, discutindo com o seu dono, muitas vezes, cantando, nunca. Os pombos, praga maldita para qualquer sotão por aproveitar parecem almas de outro mundo correndo por cima de ti...a gata que está com cio olha desesperada para todos os cantos do quarto tentando encontrar razão para tamanha invasão e tu sentes-te em casa. Lar doce lar. Olhas a estante e alguns livros novos, presente de natal, acenam-te desejosos de serem estreados. Tocados, lambidos página a página. Por falar em lamber, vais ao frigorífico. Há dias que pouco mais tem que leite de soja, queijo, iogurtes, ovos. Tens uma surpresa apesar de teres sido tu quem escolheu e pagou tudo o que te enche o frigorífico e nem por isso te cresce o desejo de devorares as surpresas. Deixas estar. A seu tempo te deliciarás.
O computador é a ocupação mais prazeirosa por ti escolhida. Passeias-te por blogues, sites, pelo google. Vês o que o signo te reserva para o malfadado ano de 2012, que até dizem que o mundo vai acabar a 21 de Dezembro. Que raio de dia para acabar o mundo. Logo o dia mais pequeno do ano...se o mundo não se despachar a finar-se vai haver um engarrafamento sinistro e fúnebre e acabam-se sem ser de fim natural.
Como não pode deixar de ser, espreitas o facebook e ele, que nem namorado ciumento, agarra-te e não te deixa olhar para os lados. És engolido pelas músicas, informações, comentários, notícias, fotografias, vaidades, ignorâncias, pancadinhas nas costas, piadolas, perguntas e respostas. Conselhos, tomadas que são as tuas dores, como se te conhecessem por dentro e por fora e quisessem desenhar-te as saídas para as tuas divagações. Convertendo tudo em soluções. Sorris envergonhado como se fosses tu próprio a rede social.
Ligas a televisão. Procuras o que mais te agrada. Tens todo um leque de canais que a Meo te oferece (?). E todo o tempo do mundo. Ah, e tens o telefone para falares com as pessoas especiais. Ou não. Pim pam pum, cada bola mata um, que às vezes também kuia feio, falar com o quase desconhecido, que parece que até foram colegas de carteira lá no bairro e andaram a apanhar maçãs da índia dos quintais, coisas que a angolanidade dá, esse tu cá tu lá com qualquer pessoa, e quando dás por isso estás a rir à gargalhada por nadas, como o fazes com o amigo de infância que te conhece por dentro e por fora e para o qual não são precisos barreiras, defesas, teatros. A gata com cio é a tua única preocupação. É difícil ver a bichinha perdendo a compostura. Reservas uma dose de compreensão e carinho para lhe ofereceres, minimizando o seu sofrimento, achas tu, pois que só quem está no convento é que sabe o que lá vai dentro.
A noite chega e tens o dia passado. Nada fizeste. Lavaste roupa. Estendeste roupa. Apanhaste roupa. Tomaste um longo banho, mudaste de pijama e de roupa da cama. Cheiras a lavado. Creme de corpo. Creme de rosto. Creme de mãos. Acendes a luz. Abres o saco de bombons esquecido desde o natal. Vês o telejornal e sentes um vómito. O chocolate está no prazo. Mudas de canal.
A Catarina, a má linda de Portugal, aparece no ecrãn. O Rui parece estar passado e o Paulo completamente apanhado pelas meninas que cantam, baba. Os Anjos divertidos e a Mia, giríssima e sensível, chora a cada canção dos seus meninos. Até ao Eixo do Mal ainda tens noite pela frente.
Dormes finalmente até ao domingo. Este acorda-te completamente desperto. Lindo. Cheirando a primavera. Sonhas com o verão. Mar. Praia. Pôr de sol. Viagem.
Recebes um pensamento do dia. Longo. Bonito. Amigo. Respondes. Crias versos...
Ouves os pássaros que poisam à tua janela. Espreitas a rua. Os montes. O céu.
A televisão dá o filme da tarde. Nos 4 canais. Mudas para a sic mulher. Encontras o Daniel Oliveira, entrevistando a Eunice Muñoz. Paras. Gostas de ambos e do programa que dá aos sábados e que por acaso (?) ontem também viste, com o Júlio Magalhães, e, entre outras coisas como falar do Porto cidade, do futebol clube do porto, clube, de Angola, com a saudade de quem lá passou a infância e adolescência, viste-o chorar. Afinal um homem chora em frente às câmaras. Choras também. Toca-te Angola, a família, o bairro da Cuca, mesmo ali ao pé do teu, à distância dum autocarro e pronto, praticamente vizinhos uns dos outros. Hoje, ficas a saber que a actriz teve 3 maridos e pensas precipitada e preconceituosamente - o raio da mulher, aka!
E ficas também à espera da resposta dela, à pergunta - sabe de alguém que não goste da Eunice? Puseste o dedo no ar. Sabes sim. O F. . Parece que é pecado não gostar da Eunice Muñoz, mas o F. não gosta. E se tem razões não as conheces, mas não gosta e pronto. Ela também sabe que haverá quem não goste dela. Talvez conheça o F..
O que tu não sabias quer dizer, não te lembravas é que o Daniel tem uma pergunta final que arrasa. Coisa bem orquestrada. Para finalizar em grande.
- O que dizem os seus olhos?
- Que sou feliz, disse ela.
Mais do que ouvires adivinhas a resposta, concentrada que estás em ti.
Fazes-te a pergunta:
E tu? O que dizem os teus olhos?
E no fim de um fim de semana contigo mesmo, escolha tua, sem altos nem baixos, assim sem que o previsses, desatas a chorar...

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