Ir ao cemitério era uma rotina domingueira na minha infância. Com o avô Carvalho. O imortal avô Carvalho.
Conhecia o cemitério Novo, da estrada de Catete, de trás para diante.
Sem que fosse preciso ir de mãos dadas com o avô que levava as flores e o regador de latão cinzento, seguia à sua frente até à campa da avó Rosalina das Dores, pertinho do portão lateral, de onde chegava a música saída dos rádios a pilhas vinda das cubatas do muceque mais próximo. Música do Congo num francês africanizado sobejamente escutado ao longo dos tempos e que ainda hoje me lembra cemitérios em tarde de domingos e feriados. Parece que ainda estou a ouvir Franco e o seu acordeão...
A campa da avó, a pessoa mais mortal de toda a família, porque desaparecida do seio familiar antes do meu nascimento, era em cantaria e tinha uma cruz enorme no topo. À volta, uma cerca feita também em cantaria e tubos em inox que nestes 36 anos desapareceram, tendo sido brutalmente arrancados, vai-se lá saber quando e por quem, num lugar que era suposto ser de respeito e meditação. Sagrado.
A sua fotografia a preto e branco levemente sombreada numa tonalidade meio colorida, de mulher bonita, no topo, abaixo da cruz, protegida por um vidro, ainda hoje a podemos contemplar, intacta.
Um dia, não sei quando, o avô partiu de Luanda. Para trabalhar em Moçâmedes e depois em Porto Alexandre. E a rotina dos domingos terminou.
Eu e a mãe, outro ser imortal, passàmos a substituir o avô. Algumas vezes no ano. No dia de hoje. Ano após ano. Nos últimos anos, o mano Zé e a caçula, também iam. Já o Sô Santos, outro dos imortais da minha lista, por mais voltas que dê não me lembro se nos fazia companhia. Às vezes a memória trai-me. São muitas recordações. Muitas dores, muitas lágrimas...
Do tudo que me lembro da mãe, ela raramente chorava. As lágrimas corriam sem disfarce e livres, quando recordava a avó.
Mãe provoca esse sentimento na gente. A saudade imensa. Dolorosa. Pai também. E avô ? E tios. E amigos... E todos juntos então?
Hoje tenho os imortais na minha memória. E tento tirar-lhes uma fotografia. Para eternizar. São muitos. Mal cabem na moldura. Junto-os cá dentro.
É dia de materializar os imortais que habitam o meu coração, de uma só vez e inevitavelmente, sentir-me a mais mortal das mortais...
Conhecia o cemitério Novo, da estrada de Catete, de trás para diante.
Sem que fosse preciso ir de mãos dadas com o avô que levava as flores e o regador de latão cinzento, seguia à sua frente até à campa da avó Rosalina das Dores, pertinho do portão lateral, de onde chegava a música saída dos rádios a pilhas vinda das cubatas do muceque mais próximo. Música do Congo num francês africanizado sobejamente escutado ao longo dos tempos e que ainda hoje me lembra cemitérios em tarde de domingos e feriados. Parece que ainda estou a ouvir Franco e o seu acordeão...
A campa da avó, a pessoa mais mortal de toda a família, porque desaparecida do seio familiar antes do meu nascimento, era em cantaria e tinha uma cruz enorme no topo. À volta, uma cerca feita também em cantaria e tubos em inox que nestes 36 anos desapareceram, tendo sido brutalmente arrancados, vai-se lá saber quando e por quem, num lugar que era suposto ser de respeito e meditação. Sagrado.
A sua fotografia a preto e branco levemente sombreada numa tonalidade meio colorida, de mulher bonita, no topo, abaixo da cruz, protegida por um vidro, ainda hoje a podemos contemplar, intacta.
Um dia, não sei quando, o avô partiu de Luanda. Para trabalhar em Moçâmedes e depois em Porto Alexandre. E a rotina dos domingos terminou.
Eu e a mãe, outro ser imortal, passàmos a substituir o avô. Algumas vezes no ano. No dia de hoje. Ano após ano. Nos últimos anos, o mano Zé e a caçula, também iam. Já o Sô Santos, outro dos imortais da minha lista, por mais voltas que dê não me lembro se nos fazia companhia. Às vezes a memória trai-me. São muitas recordações. Muitas dores, muitas lágrimas...
Do tudo que me lembro da mãe, ela raramente chorava. As lágrimas corriam sem disfarce e livres, quando recordava a avó.
Mãe provoca esse sentimento na gente. A saudade imensa. Dolorosa. Pai também. E avô ? E tios. E amigos... E todos juntos então?
Hoje tenho os imortais na minha memória. E tento tirar-lhes uma fotografia. Para eternizar. São muitos. Mal cabem na moldura. Junto-os cá dentro.
É dia de materializar os imortais que habitam o meu coração, de uma só vez e inevitavelmente, sentir-me a mais mortal das mortais...
2 comentários:
Muito bonito e comovente este teu texto, Clarinha.
Gostei muito e claro, caiu uma lágrima...
olá. eu já não vou ao cemitério no dias dos fiéis há alguns anos. Há um anito fui lá, com o meu primo e até compramos velas ou um raminho. lindo texto. beijos e um abraço
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