terça-feira, 12 de março de 2013

uma janela virada para o mar


Há uma nesga de dia entrando pela nesga que foge do cortinado da porta da varanda.
O sol escondido pelo sono, aparece. Dorme-se no quarto. Profundamente. Pé-ante-pé chego-me à vidraça.
As dunas parecem falar-me. Levantam as suas areias em sinal de cumprimento. Nunca vi areia mais fina. E branca. Ontem, no entardecer, o vento brincava com ela, atirando-a ao ar. 
Executando danças exóticas, movimentos insinuantes, num espetáculo voluptuoso...
Mais adiante o mar espreita. Silenciosamente. Acena-me a onda que se levanta e se vem render à praia do meu amanhecer.
Nesta manhã bonita de domingo, as gaivotas trazem-me recados que não quero interpretar. Um bando de gaivotas pequeninas segue os surfistas que vão ao encontro do prazer, da aventura.
Do mar. Do seu marulhar. 
Doem-me os gémeos. Porque se chamarão assim? A minha ignorância é medonha. E depois, os meus não devem ser bem gémeos. A perna esquerda tornou-se menos musculosa depois duma crise que me ia atirando para a cama por muito tempo. Esta hérnia já me provocou dissabores de vária ordem, um deles criar-me constrangimentos, quando abordei a Dona Lena, minha costureira de eleição. Gosto dela. Do seu jeito. Ó minha senhora! Diz ela a cada minuto. 
Acho-lhe piada...
- Ó dona Clara, a senhora acha que eu ia fazer uma perna mais apertada que outra? Sou poucochinho mas não tanto.
- Não sei dona Lena, o que sei é que a perna esquerda está justa e a outra não. Aconteceu aqui qualquer coisa de estranho.
Vesti, despi calças, foram medidas em cima da mesa profissional vinda duma fábrica de confecção onde trabalhou e que faliu. E era ela quem tinha razão. 
- Veja minha senhora, eu sei que sou tonta e podia ter-me escapado, mas desta vez a culpa não é minha. E não era. Era da minha hérnia que mirrou os músculos da dita.
Ela sabia do pânico instalado quando quis vestir as calças xadrez a preto e branco e simplesmente não passaram das coxas. Horas antes de embarcar para o Funchal. Ou o casaco beje do fato tipo colonial, de linho, que parecia um saco, horas antes d' um festival de pequenos cantores ao qual concorria com uma letra ( que ganhou ) e inevitável, a subida ao palco. E a última foram umas calças de cetim pretas, horas antes d' um casamento. Ficaram tão más tão más e ela apanhou um susto tal que decidiu comprar tecido igual e fazer-me outras e não me cobrar qualquer quantia pelo trabalho.
E os gémeos ( os meus, falsos ) que não deixam de doer!
Ontem à tarde fui usufruir da piscina interior. Aquecida numa temperatura perfeita.
- Quer fazer a aula de hidro-ginástica?
Ham e tal e coiso, aula? Professora? Grupo? Não me parece.
- É giro. Vai gostar, continuou a menina bonita e elegantemente trajada de acordo.
E sim. Fiz a aula. Uma hora fazendo todos os exercícios pedidos, ordenados, sorridos.
- Não vão? Tem vergonha? perguntou-me, quando mesmo na parte final pediu que nos puséssemos em fila, fazendo comboio. Sorri-lhe e disse que não. 
Ó minha senhora! Como diria a dona Lena. Vergonha eu?
E os gémeos que me doem tanto. Foi da aula. E das caminhadas.
Olho as gaivotas pequeninas. Cinzentas. Voando em bando. Como se de andorinhas do mar se tratassem. Serão gaivotas? Ou andorinhas? O horizonte lá longe. E os meus sonhos também.
O despertador toca. Olho a cama. Fim de semana romântico...Não. Não é o lugar certo. O quarto demasiado grande. A cama com medidas escandalosamente exageradas. As paredes brancas e a da cabeceira, castanha. E os tapetes? Não, não é um fim de semana romântico.
Regresso para o interior. Para me arranjar para o pequeno almoço. Gosto desse ritual dos hotéis. A sala das refeições é comprida e clara. O jantar de ontem não correu muito bem. 
Uma espera que nem o pai morre nem a gente almoça. E a espetada demasiado pequena. Umas rodelas de chouriço à mistura. As batatas fritas, pré-congeladas. Não lembra ao diabo. Os doces foram oferta. Julgo que para salvar a honra do convento. Não salvou.
Como podia tratar-se de um jantar romântico num fim de semana romântico? Nem as velas à mesa faziam lembrar romance. Faltava o piano. As flores. Uma dança a dois. Morangos e champanhe. Chantily. Digo eu, que leio sobre jantares românticos.
Decididamente, se tiver um fim de semana romântico não será aqui.
As gaivotas pequeninas a intrigarem-me... serão gaivotas ou apenas andorinhas do mar?
E os gémeos que não param de doer-me. 
Sempre que venho para este lugar ando até à exaustão. À beira-mar. 
- Como é que estás? pergunto à minha companheira de fim de semana que só agora acordou.
- Doem-me os gémeos… disse ela.
E assim começa a minha manhã com a certeza de que este não é o lugar certo para um fim de semana romântico. Mas tem uma janela virada para o mar.


Sem comentários: