domingo, 24 de fevereiro de 2013

domingo de manhã

foto tukayana.blogspot
O sol já ia alto quando acordei. Espantada e contente por ter dormido umas horas mais, deixei-me estar na preguiça. Há quanto tempo não me deixava estar...
Dona Pitanga contente por finalmente me ver a cor dos olhos, salta à minha volta. Tenta morder-me o nariz. Leva uma sapatada sem balanço. Lambe-me a mão e reclama alimento.
Penso na minha caminhada que já é um vício diário e decido ir andar. Posso matar vários coelhos duma cajadada só. Hoje é dia de caça mas ainda não ouvi tiros perto de mim. 
Há umas compras p'ra fazer, coisa pouca, que não estamos em maré de gastar como se não houvesse amanhã, há umas fotografias para tirar,há sempre e uma ida ao cemitério. Para visitar os meus mortos. Há muito tempo que não entro àquele portão.
O frio é muito. Agasalho-me. Disfarço-me tanto que nem me reconheço ao espelho. Avanço para o dia descendo as escadas.
Não, não vou contar cada passo nessa esquizofrenia do doutor que agora diabético passou a andar a pé, de fato de treino e sapatilhas, numa receita de médico, como xarope às colheres, lhe prescreveu passos apressados. Uns quantos. Será que ele os conta diariamente ou faz sempre o mesmo percurso e já sabe quanto esforço terá de fazer? Deve ser uma maçada p'ra ele. 
Conhecendo-o como conheço, aposto que deita passos pelas ventas. Havia de preferir pintar a cara de negro a andar de fato de treino e sapatilhas pela cidade. Olha-se p' 'ra ele e parece que não bate a bota com a perdigota, quer dizer a sapatilha com a marcha e com o fato de desporto. Coitado! O que havia de lhe acontecer! É boa pessoa. Ambicioso que eu sei lá, mas, quer dizer, e boa pessoa. Já me safou uma vez. Foi só perguntar-lhe se me podia fazer esse jeito que precisava muito, pagando,  e ele deu o jeito. Ele e a sua bonita, digníssima e vaidosa esposa. Não tenho razão de queixa da A....., há quem se queixe que lhe subiu a importância à cabeça, dizem que nasceu em berço de palha e enquanto não deu um berço de ouro à filha não descansou. Acho bem. Porque não? Sei que a sua casa ali para o lado do Areeiro serviu à minha cria e o que paguei foi irrisório. Não me esqueço, até porque temos de ser gratos que nos fica bem à cara e serve de moeda de troca nos sentimentos.
Bem, começo a minha caminhada, respirando profundamente. O dia está lindo. Frio mas solarengo. O vento é seco. Diz que é o da serra. Ela está ali ao dobrar da esquina. É só olhar para trás e já lhe vejo os contornos.
Num instante chego ao rio. Um pescador olha a água à espera que o peixe venha. Ocorre-me a anedota do Sr.Lopes, meu ex-colega. Curiosamente, o marido da empregada do escritório do doutor de que acabei de falar, que contava uma estória, ou caso verídico, nunca o saberei, duma nazarena que esperava na praia os homens que vinham da faina. Corpulenta e distraída, a dona da praia, a bem dizer, calca um veraneante todo pipi que estava deitado na areia. O senhor sente-se calcado e delicadamente pergunta-lhe: Vai estar aí muito tempo? Já a sufocar. E a nazarena responde: É até que o pêeeexe venha... 
Vou fotografando. Cheira a fumo que sai das chaminés e as giestas já floriram. Cheira-me a estevas também. Que grato é este perfume... Sô Santos parece que está junto de mim falando da sua aldeia.E eu viajando nas estórias que ele contava...
Olho o cemitério. Vou entrar. É a última morada dos meus pais. E de tanta gente com quem privei. Mas surpreendo-me. O portão está fechado. É hora do almoço, só pode. Os coveiros não estão. Ninguém mexe. Espreito e não há vida. Já pouca coisa me surpreende mas isto apanhou-me desprevenida. Como é que o cemitério fecha à hora do almoço? Quase não posso crer. 
Volto atrás e entro no Aldi. Aqui sim, surpreendo-me favoravelmente. Na relação qualidade/preço dos produtos.
Olho à volta. Pouca gente.Não deve lembrar ao diabo vir às compras ao domingo na hora do repasto. Só a mim e a uma mulher que não via há tantos anos que já nem me lembro quando foi a última. Continua bonita, no seu jeito diferente de estar em Torres Novas. Quando está. Era uma menina linda, parecida com a minha amiga e madrinha de casamento Manuela. E sua chará. 
Cumprimenta-me sabe-se lá porquê, porque estou tão diferente...fala em inglês com um homem que a acompanha. Interessante espécime. Porque será que se percebe logo quando as pessoas não pertencem aqui? Ela própria nunca pertenceu. Militante da UDP noutros tempos, meio hipie e frequentando os cafés mais alternativos da então vila. Um discurso fluente e inteligente e uma atitude que não cabia na cidade. Foi ver mundo, procurar esse espaço e eis que não mais será torrejana porque não se encaixa já neste lugar. 
Vejo uma betinha antiga aparecer de braços abertos a cumprimentá-la. Deixo-as para trás.Curiosa manifestação. Lembro a expressão, todos diferentes todos iguais. Porque não? 
Naquele tempo os betinhos chamavam-se " queques " e tinham o rei na barriga .E vestiam capotes alentejanos e samarras.
Calçavam botas tacão de prateleira e afinavam a voz como as tias de Cascais. Naquele tempo a gente cheirava-os ao longe e gozava-os. Eles olhavam-nos por cima do ombro, tratavam-nos por você e mostravam-nos que os lugares onde estavam lhes pertenciam e nós estávamos ali a mais. E eu, que não sou nem fui teimosa, nunca gostei que me olhassem de lado e nunca abandonei os espaços que gostava por causa da presença de indesejáveis. É que sempre achei que vozes de burro não chegam aos céus e cá para nós que ninguém nos ouve, esses betinhos eram uma cambada de ridículos e emproados que até metiam fastio.
Avanço para a caixa. Pago e arrumo as compras num saco. A betinha de que falei está já a pagar. Olho-a. É bem feiona. Tem olhos de coruja e nariz de papagaio. Muito magra e cinzentona. Fala com a filha, futura betinha mas mais bonita. A empregada pergunta-lhe se quer factura. Diz que não. Depois ri-se e diz: Só se for em nome do Passos Coelho.
Ora toma uma passa! Quem havia de dizer. Soltei uma gargalhada. Ela nem para mim olhou. Não deve ser surda mas é como todas. Meio idiota.  Problema dela. Teve piada o que já não é mau.
Volto pelo mesmo caminho. O pescador foi almoçar. O cão preto também. Outros cães saem-me ao caminho mas bato o pé com força e afastam-se. Há sempre muitos cães por ali. São dumas famílias que se odiavam. Rivais. Tiveram processos em tribunal, coisa feia. Bulhas fortes com insultos à mistura. Por falar em processos volto à betinha que me ignorou. Acho que porque me passaram tanto processos pelas mãos, também desta corja de betinhos, ricos, educados, honestos, tudo a fingir, é que me habituei a ignorá-los. É que foram tantos os cheques sem cobertura, penhoras a casas, apreensões de veículos, tantas insolvências que se me acontecesse pintava a minha cara para que não me conhecessem. Enfim...
Chego a casa. Subo as escadas. Encontro a minha vizinha do 1º andar. Não foste de fim de semana? perguntou. Conhece-me desse tempo das betinhas. Mas longe está de o ser. Esta é populaça e adora saber da nossa vidinha. Lá lhe disse que nem sempre vou. 
Na verdade troco-lhes as voltas com uma pinta que nem me apercebo bem quanto, senão quando acontecem destas. Pensava que estavas em Lisboa, disse. E quase me saltou: E a pensar morreu um burro, mas, aguentei-me. Levava a mal e tinha razão. 
Entro em casa. A Pitanga indiferente à minha chegada dorme enroladinha, no sofá. No meu lugar. Sento-me também.

2 comentários:

persiana fechada disse...

Olá. dia lindo este e grande fim de semana. eu também fui rever a Família ao Marco de Canaveses. sabe bem conduzir com tempo assim. é bom sabê-la bem disposta e sempre a passear. beijos e um abraço. linda paisagem na foto. bom descanso e cont. de um bom Domingo.

Maria Clara disse...

Olá Nuno
Obrigada. desejo que tenha uma boa semana. :)