terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

esboço de ti




Desenho desesperadamente o teu rosto. Todos os contornos. 
Com especial rigor para o brilho verde do olhar. 
Para o sorriso permanente e malandro da expressão, para o nariz arrebitado, eterna criança que nunca deixarás de ser. 
Para a cor morena da tua pele que o sol africano embeleza. 
Para o timbre sedoso da tua voz. 
Ah a voz sempre a determinar os meus afectos!
Desenho o teu rosto bonito, sempre bonito, cada vez mais bonito, na esperança de te eternizar nas minhas mãos, na pele e no meu olhar.
E marcar-te a ferro e fogo no coração para os dias que hão-de chegar. 
Desenho-te através da imagem de luz, relíquia que conservo guardada há tanto tempo...
Tanto tempojá...que passou a guerra, o verão, mil verões e invernos frios e desolados.
Milhões de crepúsculos sob o olhar atento do Mussulo.
Passei pontes que nos aproximam e afastam, passaram Natais e carnavais, cairam governos. 
Chegaste, partiste, silenciaste, voltaste, sonhei-te.
Ah como te sonhei! Foste um milagre sem explicação, uma aparição.
Passou o tempo, tanto tempo, passou o século, séculos, que enquanto te faço um esboço, desespero de pânico de te envelhecer na minha memória se te não desenhar. E percas o brilho do olhar, o sorriso nos lábios e até o nariz se envelheça finalmente, 
conformadamente. E te tornes um estranho.
Enquanto te desenho oiço-te o sotaque. Pérola de quem nasce e vive em África.
Ai como oiço os sotaques! E África... 
Eu desenho-te. E enquanto vais ganhando forma pelas minhas mãos vou escutando a voz do meu coração. 
Não. Nunca te esquecerei. Nunca te apagarei.
Nunca serás um estranho e desconhecido fantasma de ti em mim.
Nem sombra, nem desgosto,nem fim.
Tatuei-te na memória. Para sempre. 
E para todo o sempre te desenhaste e te tornaste a outra parte da minha estória.

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