sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

lá vamos...



Passavam 5 minutos da hora.
Há dias trôpegos. E que rendem pouco. Para cúmulo, mil e uma coisas me cairam das mãos como que sinais de que tinha de ir com calma. Mas nervosa porquê? Quinta-feira...um pé no fim de semana. A vontade de o viver. Diferente. Então porquê esta inquietação preguiçosa e desastrada? Deixo p'ra lá. Não tenho respostas p'ra tudo. Não tenho respostas, ponto.
A manhã está fria. Sei sempre quando a temperatura baixa. As luvas são o indicador. Se sobe, não as visto. Se desce, sou obrigada a isso. E apertar o casaco. E enrolar o cachecol no pescoço. E fico de pingo no nariz. Que sorte a dos que  não se fazem à rua pelos seus pés! Que estranho, também. Pensando bem há muita coisa que apenas passa a raspar, neles. E isso será bom? Receio que seja apenas uma forma de me convencer, mas deixo também para lá.
O percurso é rápido. O tempo é que é pouco. Ao longe já vislumbro o viaduto. Não fosse isso e num ápice estaria lá em cima. Vejo um homem de sobretudo escuro e andar gingão. O mesmo andar de sempre. E o jeito. Estou atrasada. Não posso deter-me nem para o cumprimentar. Aproxima-se mais. Sinto-me mais inquieta. Sempre que comigo se cruza, rouba-me tempo, dá-me sorrisos. Sempre lhe achei piada. Sempre foi o bobo da corte. Nas estórias com os turistas que confiantes o metiam no automóvel para que do ribatejo lhes ensinasse o caminho para o Algarve, no fim dos anos 70. Ou de todos lhe alimentarmos o vício do tabaco, sem que gastasse um escudo e depois um euro. Ou ainda, ir com o doutor, um certo advogado desta praça, boémio e demais conhecido, para Lisboa, correr as casa de fados e outras com a carteira vazia  . Ou fazer-se passar por outros. Ou das tangas que dava a uns e outros, a nós, amigos também. A culpa da sua estranha, chula e divertida personalidade era atribuída ao serviço militar no ultramar. Numa Angola que não esqueceu. Um Nambuangongo que o marcou definitivamente. Foi o tempo da liamba. Das negras e do medo.
Vejo-o sorrir. Com os músculos. Olhos. Boca e  dentes. Pára. Eu não. Agarra-me pelo cotovelo. Páro. Forçada. Mais ou menos.
- Isto está lindo está, Clara! 
Sorrio. 
- Sabes o que é que me apetece? 
- Não - disse.
- Recuar cinquenta anos e cantar - Lá vamos cantando e rindo..
Soltou-se a minha gargalhada da manhã. Largou-me o cotovelo, sorriu e seguiu o seu caminho. 
Quando parei para olhar o carro que tinha ao meu lado no início do viaduto, acho que ainda sorria.
De dentro ouvi uma voz conhecida num sorriso franco e generoso: Quer vir? 
- Claro. E entrei no automóvel do guarda da gnr que dias antes me prometera boleia. É meu conhecido há muito tempo e julgava que eu levava a mal o oferecimento. O rádio em altos berros distraiu-me do encontro com o João S.
Cheguei lá acima adiantada nas horas. 
Há dias trôpegos mas divertidos. Que dão sorte.

2 comentários:

nuno medon disse...

olá. esse passeio entre a sua casa e o viaduto, daria um bom livro de estórias, recordações. A sua vida é um livro. beijos e um bom fim de semana. melhoras da sua coluna/pescoço. um abraço MC.

Maria Clara disse...

Obrigada Nuno.
Um b.f.s. para si também.