foto tukayana.blogspot
Era uma vez um par de botas...
Nasci duma história bonita de amor com contornos de proibido naquele tempo do parece bem.
Nasci no cacimbo; dias mais pequenos e noites frias a pedir aconchego e romance. Sob o signo do caranguejo, signo do lar, da família e do amor.
Nasci duma história bonita de amor com contornos de proibido naquele tempo do parece bem.
Nasci no cacimbo; dias mais pequenos e noites frias a pedir aconchego e romance. Sob o signo do caranguejo, signo do lar, da família e do amor.
A minha mãe, mulher bonita, mãos de princesa e porte de rainha, frágil, sofrida e triste nas recordações e forte no amor, sabia estórias de me deixar presa. E eu ouvia e nunca me cansava.
O meu pai, homem charmoso e bonito, olhos escuros e brilhantes, tez morena, seguro nas atitudes e no amor, trazia estórias do lugar onde vivera que contava e eu ouvia extasiada.
O meu avô, homem muito alto, com porte de judeu, nariz fino e direito, olhos honestos, sorriso franco e convicções fortes e inalteráveis, tinha uma vida repleta de histórias bonitas, romanceadas, vivências louváveis, altruístas. Gostos saudáveis. Profunda capacidade para o sucesso. Dava-me de presente exemplos e estórias que eu recebia encantada e das quais me alimentava avidamente.
Tive um amigo imaginário. Inventava-o. E dizia que o meu tio mais novo, crescido na minha casa era meu irmão mais velho. Inventava estórias que apenas se descobriam não ser verdadeiras porque os meus pais me denunciavam. Na escola, depressa gostei de saber estórias dos professores e dos colegas. Para acescentar às minhas estorietas. Cozinhava tudo e criava romances ao meu jeito. Houve um tempo que me perdia pelas páginas inventadas das minhas estórias e não vivia a minha verdadeira história. A fantasia me encantou desde que me vi como gente.
A terra ajudava com as estórias dos escravos, condenados, feiticeiras, cipaios, sobas, mato, jiboias, kiandas, hienas. O choro das hienas, que batiam às portas fingindo de crianças, as calemas, as trovoadas, o chefe de posto, o carnaval. E eu registava e acomulava...
Redacções eram canja para mim. A dificuldade era separar trigo de joio e filtrar a palha. Como agora. Nunca soube sintetizar. Como poderia ser jornalista e escrever Xs caracteres apenas?
O encanto das estórias está logo no começo. Era uma vez...
O encanto da estória é fazermos parte dela, vivê--la. Protagonistas. Papel principal. Não para sermos os maiores mas p'ra estarmos em todas as acções da estória.
Gosto de estórias. Muito. De as ouvir e de as contar. Gosto que me aconteçam. Vivê-las vale a pena. Fazem a minha história.
Quando o fim de semana é frio, de arrepiar e não saio de casa, nada de assinalável acontece.
A menos que...
Era uma vez um par de botas. Não é um par de botas qualquer. São botas oferecidas no Natal por alguém que amo. Só as recebi porque fui invejosa. Sim, sim, contrariamente ao que afirmo com grande orgulho, que não sou invejosa, as botas chegaram-me às mãos porque andando com a minha irmã, a caçula, às compras, coisa que fazemos todos os anos, perante uma lista de nomes de gente dela, palpito e ela aceita ou não. E assim, entrámos na loja repleta destas botinhas. Várias cores. Confesso que não gostei delas p'ra mim. Cinzentas, pretas, cor de rato, castanhas. E opinei acerca de dois pares. Mas de repente bati com os olhos curiosos nestas botinhas românticas, juvenis e fofinhas e disse: Estas até eu gostava p'ra mim. E logo a caçula disse: Queres? Dou-tas no Natal. E eu que não me imaginava com um par de botas novas e oferecidas, apesar de não me ter feito ao piso, juro que não caçula, disse para comigo: ahn, pois, porque não? caraca, botas fofimhas estas, para as levar quando formos as três da vida eirada a Berlim que parece que é no dia de são nunca à tarde, tantas vezes que já foi adiada essa viagem. E, sim, sim, quero, apressei-me a dizer não fosse a caçula arrepender-se por que já lá tinha um perfume e outras coisas lindas para me fazer feliz como criança de rebuçado na boca. E foi assim que as botas viajaram connosco para o ribatejo, diretamente da capital.
No dia 24 de Dezembro, na hora da família dar presentes, lá vieram as botinhas numa surpresa fingida mas num sorriso de prazer. Na euforia que é esse momento do quem deu o quê, quem recebeu o quê, uma garrafa de licor bem caseirinho da quinta do mano Zé feito pela minha cunhada foi juntar-se com as botas num namoro sério e perigoso. E eis senão quando, num safanão meu, como se fosse possível eu não fazer asneiras, o saco bonito e grande que acumulava vários presentes bonitos, foi parar ao chão e a garrafinha de licor ficou reduzida a mil cacos. As minhas botas, coitadinhas...pois então, lamberam no seu pêlo e pompons farfalhudos todo o líquido entornado. E vi-me com umas botas novas bêbedas e mal cheirosas e impotente para resolver a questão que me pareceu difícil. Lavei-as. Lavei-as quase todos os dias. Sempre pegajosas. Sempre mal cheirosas. Eu que odeio cheiro de álcool. Fiz das tripas coração e não desanimei. Passou um mês e meio. Nunca as calcei. Vão passando da janela para o lava-loiças para mais uma banhoca e vice-versa.
Hoje decidi. Depois de uma estória tão acidentada e trágica está na hora de cumprirem a sua função. O frio justifica. E nunca estive tanto tempo para estrear uma vaidade. Por isso, é hoje.
Hoje vou dar corda aos atacadores, pois que, chega de estar enfiada em casa que eu não fui feita para tanta parança. E as minhas botas novas vão encerrar um capítulo e iniciar outro que espero bem mais útil e alegre.
Se é uma estória verdadeira? Claro que é. Já não as invento senão quando venho divagar para aqui. E ainda assim, há um fundo de verdade em tudo o que escrevo quando não é um, com a verdade me enganas.
Era uma vez um par de botas...
assinado maria clara
O meu avô, homem muito alto, com porte de judeu, nariz fino e direito, olhos honestos, sorriso franco e convicções fortes e inalteráveis, tinha uma vida repleta de histórias bonitas, romanceadas, vivências louváveis, altruístas. Gostos saudáveis. Profunda capacidade para o sucesso. Dava-me de presente exemplos e estórias que eu recebia encantada e das quais me alimentava avidamente.
Tive um amigo imaginário. Inventava-o. E dizia que o meu tio mais novo, crescido na minha casa era meu irmão mais velho. Inventava estórias que apenas se descobriam não ser verdadeiras porque os meus pais me denunciavam. Na escola, depressa gostei de saber estórias dos professores e dos colegas. Para acescentar às minhas estorietas. Cozinhava tudo e criava romances ao meu jeito. Houve um tempo que me perdia pelas páginas inventadas das minhas estórias e não vivia a minha verdadeira história. A fantasia me encantou desde que me vi como gente.
A terra ajudava com as estórias dos escravos, condenados, feiticeiras, cipaios, sobas, mato, jiboias, kiandas, hienas. O choro das hienas, que batiam às portas fingindo de crianças, as calemas, as trovoadas, o chefe de posto, o carnaval. E eu registava e acomulava...
Redacções eram canja para mim. A dificuldade era separar trigo de joio e filtrar a palha. Como agora. Nunca soube sintetizar. Como poderia ser jornalista e escrever Xs caracteres apenas?
O encanto das estórias está logo no começo. Era uma vez...
O encanto da estória é fazermos parte dela, vivê--la. Protagonistas. Papel principal. Não para sermos os maiores mas p'ra estarmos em todas as acções da estória.
Gosto de estórias. Muito. De as ouvir e de as contar. Gosto que me aconteçam. Vivê-las vale a pena. Fazem a minha história.
Quando o fim de semana é frio, de arrepiar e não saio de casa, nada de assinalável acontece.
A menos que...
Era uma vez um par de botas. Não é um par de botas qualquer. São botas oferecidas no Natal por alguém que amo. Só as recebi porque fui invejosa. Sim, sim, contrariamente ao que afirmo com grande orgulho, que não sou invejosa, as botas chegaram-me às mãos porque andando com a minha irmã, a caçula, às compras, coisa que fazemos todos os anos, perante uma lista de nomes de gente dela, palpito e ela aceita ou não. E assim, entrámos na loja repleta destas botinhas. Várias cores. Confesso que não gostei delas p'ra mim. Cinzentas, pretas, cor de rato, castanhas. E opinei acerca de dois pares. Mas de repente bati com os olhos curiosos nestas botinhas românticas, juvenis e fofinhas e disse: Estas até eu gostava p'ra mim. E logo a caçula disse: Queres? Dou-tas no Natal. E eu que não me imaginava com um par de botas novas e oferecidas, apesar de não me ter feito ao piso, juro que não caçula, disse para comigo: ahn, pois, porque não? caraca, botas fofimhas estas, para as levar quando formos as três da vida eirada a Berlim que parece que é no dia de são nunca à tarde, tantas vezes que já foi adiada essa viagem. E, sim, sim, quero, apressei-me a dizer não fosse a caçula arrepender-se por que já lá tinha um perfume e outras coisas lindas para me fazer feliz como criança de rebuçado na boca. E foi assim que as botas viajaram connosco para o ribatejo, diretamente da capital.
No dia 24 de Dezembro, na hora da família dar presentes, lá vieram as botinhas numa surpresa fingida mas num sorriso de prazer. Na euforia que é esse momento do quem deu o quê, quem recebeu o quê, uma garrafa de licor bem caseirinho da quinta do mano Zé feito pela minha cunhada foi juntar-se com as botas num namoro sério e perigoso. E eis senão quando, num safanão meu, como se fosse possível eu não fazer asneiras, o saco bonito e grande que acumulava vários presentes bonitos, foi parar ao chão e a garrafinha de licor ficou reduzida a mil cacos. As minhas botas, coitadinhas...pois então, lamberam no seu pêlo e pompons farfalhudos todo o líquido entornado. E vi-me com umas botas novas bêbedas e mal cheirosas e impotente para resolver a questão que me pareceu difícil. Lavei-as. Lavei-as quase todos os dias. Sempre pegajosas. Sempre mal cheirosas. Eu que odeio cheiro de álcool. Fiz das tripas coração e não desanimei. Passou um mês e meio. Nunca as calcei. Vão passando da janela para o lava-loiças para mais uma banhoca e vice-versa.
Hoje decidi. Depois de uma estória tão acidentada e trágica está na hora de cumprirem a sua função. O frio justifica. E nunca estive tanto tempo para estrear uma vaidade. Por isso, é hoje.
Hoje vou dar corda aos atacadores, pois que, chega de estar enfiada em casa que eu não fui feita para tanta parança. E as minhas botas novas vão encerrar um capítulo e iniciar outro que espero bem mais útil e alegre.
Se é uma estória verdadeira? Claro que é. Já não as invento senão quando venho divagar para aqui. E ainda assim, há um fundo de verdade em tudo o que escrevo quando não é um, com a verdade me enganas.
Era uma vez um par de botas...
assinado maria clara
3 comentários:
olá..como está? olhando para elas, parecem novas em folha e limpas, sem o vestígio do licor. e são muito quentes, vê-se logo. use e abuse delas. beijos e um abraço. continuação de um bom domingo.
Olá Nuno.
Estas botas estão condenadas.
Assim que as calcei os pompons duma delas cairam logo. Há botas que são piores que o deus me livre.;)
Sabe o que lhe digo? Vão-se as botas e fique a vontade de quem mas deu de me dar outras ou outra coisa qualquer.
teve azar com as botas. Não há nada como as botas, tipo panama jack, que são as que uso. e também ficam bem nas senhoras. a minha mãe apareceu-me com umas botas á beto ( digo eu ) da throttleman e não sei porquê mas vou na rua, e as meias saem-me dos pés... com as panama jack as meias ficam sempre no mesmo sítio. beijos e boa segunda-feira
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