segunda-feira, 21 de março de 2011

1º dia

Já está. Não doeu muito. O viaduto ia-me matando, mas não matou. E o que não nos mata, torna-nos mais fortes. Chegado ao cimo do dito cujo como quem atinge, sei lá, ou sei, o êxtase, os cinco quilómetros que me faltavam eram nada. Até ali chegar tive de entrar no espírito da Feira de Março, que está na cidade, paredes meias com o viaduto; sentir o cheiro gorduroso das farturas da Pina, rssssss, eu que nunca gostei de farturas, e ver as luzes psicadélicas dos carrinhos de choque a fazerem lembrar-me outras corridas, outras viagens, quando a feira ainda era lá em cima, no Rossio de S. Sebastião e eu ia para lá, às tardes, na década de setenta, divertir-me com os amigos. Parei a meio porque deitava os bofes pela boca e só me apetecia dizer impropérios à minha gula e preguiça. Tive de fazer de mulher prestes a parir, naquele respirar que só as mulheres que já deram à luz sabem como é, e de repente dei comigo a falar com o próprio do viaduto como já o fiz milhentas vezes, num tempo em que o subia diariamente, mas tinha menos dez a dozes quilos e uma vontade incontrolável de insultar tudo o que mexesse e fazia parte do meu universo a época, que não se tinha portado bem comigo, e para cúmulo, enquanto eu o subia a pé, subiam-no de carro diariamente, como que dizendo-me, monangambé, eu vou de carro e tu vais a pé... Chegada ao cimo tive de me rir. De mim e para mim. Lá estavam os alecrins. E lá estava eu a passar a mão por eles e depois cheirar o aroma que fica nas mãos. Mas não foi só. Também o outdoor dizendo - faz tudo como se alguém te contemplasse, me fez impertigar, e esticar o nariz para cima. E pensar que a única que mudou fui eu. Que deixei de subir o viaduto. Mais adiante a minha companhia lá estava à espera. Depois mais uns quantos metros e mais duas, uma delas grávida, mas veloz. O grupo iniciou então a marcha.

A lua, cheia que nem um ovo, estava de namoro com a terra, coquete e lindíssima. O trânsito era mínimo, o MC Donald's estava quase vazio, e uns engraçadinhos à semelhança dos tempos do século passado, buzinaram-nos, grosseiramente, ao passarem por nós. A Avenida, junto ao rio estava sossegada e a esplanada apinhada de gente sentada como se estivesse no cinema, assistindo a um filme, via o jogo de futebol. Antes de as deixar e seguir o caminho de regresso a casa sozinha, ainda fui a tempo de sentir o aroma exalado pelas glicínias, das pérgolas do velho jardim, junto ao rio. A Primavera salientando os seus perfumes na noite de lua cheia, na cidade do Almonda. Eu participando. Subir as minhas escadas foi um esforço que me fez rir, perceber que tenho de me mexer, e muito. Tive vontade de as subir de gatas, como a Pitanga o faria, mas surpreenderia os vizinhos que logo chamariam o INEM, por isso abstive-me. Agora, estou bem. Muito bem, mesmo. Ficou " escrito " que passamos a ir todos os dias. E é para cumprir. Pelo menos quando o programa das festas não for tão interessante quanto este.

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