quarta-feira, 11 de junho de 2014

de repente

De repente, olho o azul do livro já lido e sinto uma saudade dorida, do azul do mar no fim de tarde quente. Do linguarejar das gaivotas perseguindo a velha traineira, das casuarinas da lIha e da lua conversando com o farol.
De repente a dor indefinida deste sentir que fecho a cadeado e me perco da chave, cresce, agigantando-se e envolve-me como se eu fosse a própria dor do mundo. E faz-se presente nesta ausência de tudo o que me memoriza os afectos. Os odores e as cores.
De repente, o metro é um insuportável momento de ócio e impaciência. Um lugar vazio de futuros, de fé e de esperança.
Olham-me. Vejo-os e nada me dizem nos silêncios do cansaço que desenha bocas cerradas, olhares vagos e ombros descaídos.
De repente volta-se contra mim, a solidão geográfica em que me viajo.
Um nada feito de intervalos, de alguns, muitos meios-tempos.
Foi a manhã que não amanheceu sorrindo nem o olho me piscou cúmplice. Foi o caminho solitário de decidir. O encontro. O almoço oferecido. A troca de palavras como beijos, de sorrisos como chuva. Amenizando...
Foi a cabeça doendo, mil miligramas de qualquer coisa. Para males que nem sempre têm remédio. Nem abrem espaço a milagres.
Foi a tarde passando entre roupas e Santos, manjericos e exageros.
E é o metro. A viagem. O sonho de abrir uma porta fechada. Mas não. Ninguém sonha impossíveis e as portas são invisíveis neste fim de tarde que eu queria coroar de borboletas. Daquelas da minha saudade. Daquelas que desenhavam voos alegres e felizes. Sem memória nem saudade.
De repente, olho o azul do livro já lido e fico perto do céu. E longe de tudo o que acinzenta o meu olhar.

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