A noite cai na cidade grande. O metro desliza para a periferia. Voltar para casa já foi mau. Hoje é, atracar no cais. Chegar ao porto seguro.
Mais um dia que passou. Não tenho calendário nem faço cruzes nos dias. Não rasgo a folha dos meses nem me importo com as horas. Não faço planos.
Já bastam os desenganos. As ausências. As esperas. As insónias e as contas de cabeça. E os restos zero.
Já bastam coração e mente em comunhão, enlouquecidos, voando, para um lugar do nada onde só eu lá caibo. Onde só eu moro. Onde me refugio. Solitariamente.
A noite cai e mais um dia passou.
Atendo uma chamada, enquanto atravesso a ponte. Lá em baixo os automóveis velozes voam para um destino marcado.
Pontes são tentações, demónios se nelas paramos, penso eu, desviando o olhar e seguindo. Em frente, o lugar que fiz meu, num empréstimo que não sei se pagarei caro.
Subo as escadas. A voz do outro lado da linha, continua a falar. Não vou só.
Não estou só. Enquanto essa voz existir vale a pena passar pontes, ver a noite cair e atracar no cais.
Abri a porta. Do lado de lá, uma gata impaciente aguarda que dela trate. Espera-me ansiosa. Roça-se nas minhas pernas. Encosta a cabeça aos meus pés, segue-me.
Poiso as compras. Arrumo-as. Bebo um copo de água que tiro da geleira.
Alimento este ser que comigo coabita. São gestos repetidos. Que hoje observo como se de outra se tratasse.
A noite caiu enquanto atravessei a ponte. Me dirigia ao porto seguro, lugar em que acredito ninguém me fará mal. Talvez tenha caído, com ela, em mim.
Acendo a luz da sala. Descalço-me. Prendo o cabelo. Ligo o computador. Procuro um vídeo. Uma noite destas, sentindo que precisava voltar às raízes, à música, às palavras e à saudade, ao sonho e à vida, alguém chamado amizade me disse que ouvisse, que ia gostar, que me ia fazer bem.
Cliquei. E ouvi. O chamamento. E senti-me morada d'um amor imenso. E chorei rios e mares e libertei esta angústia que o dia fez crescer, sabe-se lá porquê.
Hoje a noite tropeçou em mim, neste lugar de saudade e eu caí com ela, em mim.
Há dias assim, que não seguro a noite e caio com ela nesta tristeza de não me amanhecer do outro lado do mar. No fim da ponte. Na casa de todas as casas, no meu chão, meu porto seguro...
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