domingo, 18 de agosto de 2013

a minha praia

foto tukayana.blogspot
- Olha a dona Clara!
Desci as escadas de madeira que me separam do toldo do Nuno, o dono da concessão da praia onde alugo a espreguiçadeira. 
- Bom dia dona Clara, continuou o Tó. 
O Tó é o empregado. Que trata os clientes da praia pelo nome. Nasceu em Teixeira de Sousa e diz que é a terra dos " turras ". Coitado, vive no passado. 
O Nuno também está lá e ainda o Valentim. O primeiro nasceu no treme-treme, ali perto do prédio dos cigarros Baía ( os meus cigarros ) e do Baleizão. Diz com orgulho que é de Luanda. E sorri sempre que me vê, a mim e à filhota, como lhe chama quando não me vê com ela.
- Então a filhota hoje não veio, dona Clara? E eu a vê-lo de óculos, respondo e fico a pensar, a filhota, não é Nuno? Ele tem à volta de 40 anos. A filhota... 
Tá bem tá, Nuno. Compreendo-te.
O Valentim é um puto. Que trabalha com o Nuno e o Tó. E parece que trabalha muito contrariado. Parece até que chumbou e o pai pô-lo de castigo a arrumar colchões e espreguiçadeiras, a levar uma caipirinha, um hamburguer ou um sumo de laranja a quem lhos solicita. Parece um burro carregado de pancada. É pena. Porque é um puto educado e lindo. De olhos azuis e cabelo loiro. 
Pele quase laranja de tanto sol, aliás os outros dois estão tão negros que parecem sempre roxos. Ao fim da tarde quando estou de saída diz-me com muita educação e até algum profissionalismo, até amanhã dona Clara e muito obrigado.
Cativaram-me. Os três. E eu que fazia resistência a essa praia. Muito povo povão, muita bola para jogarem, muita toalha estendida, muitos chapéus a voarem, muitos gritos e muita música aos berros, muito excesso de coisas que não gosto, e só lá ia por causa da " filhota " que este ano se recusou a ir para o Tamariz onde gosto de estar e me sinto peixe na água.
A minha resistência terminou quando percebi que já não tenho idade nem paciência, claro que uma coisa implica a outra, para levar com areia nos olhos, na boca, na cabeça, apanhar uma criança a berrar a 20 centímetros de mim, ir à água a correr com medo que me levem as tralhas e aderi por iniciativa da " filhota " às espreguiçadeiras. Parece snobismo. Não é. É estatuto de kota que vai para a praia quase sempre sozinha e quer sentir-se o mais confortável e segura possível. 
E não fossem estes três personagens e eu não teria aderido com tanta animação e alegria na descoberta recente.
É que, a pessoa chegar à praia e ser tratada com respeito, educação e entusiasmo pelos meus dois patrícios angolanos e um puto giríssimo, é algo que me deixa tão bem que posso dizer que me mudei de armas e bagagens do Tamariz para esta praia sem qualquer pena ou remorso. Depois, é mais perto do Cais do Sodré e mais barato. Ah e têm uns mexilhões deliciosos. A propósito, o Tó quando a " filhota " não está e passa pela minha espreguiçadeira diz sempre qualquer coisa agradável como por exemplo, hoje não tem companhia para os mexilhões, sendo que nem sempre os comemos.
E tudo começou com o pedido do número deles para que pudesse pedir reserva para o dia seguinte ou outros e o Nuno a achar que eu era sul africana. Vá-se lá saber porquê. 
Porque é que acham que eu sei que são angolanos? As conversas são como as cerejas, sul africana não, sou angolana, ah olhe eu também, disse-me, sou de Luanda, nasci no prédio tal e tal e o Tó acrescentou, eu também sou, de Vila Teixeira de Sousa.
Por isso eu costumo dizer que se dá um pontapé e aparece um angolano. Neste caso dei um dedo de conversa e apareceram dois. 
Só o Valentim, escapou. Mas há-de ter um parente qualquer que, ou nasceu lá, ou foi lá bater com os costados ou há-de ir, por via da crise neste país. 
Seja lá como for, ali estou na minha praia. E gosto.


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