sexta-feira, 5 de agosto de 2011

aconteceu ontem

Quem vive sozinha com uma gata tem de viver diferente dos que vivem com cães, piriquitos, coelhos anões, tartarugas, peixinhos vermelhos, ratos e pessoas.
Se é melhor? Tem dias.
Ontem não foi dia. Quer dizer, andou para não ser...
Às seis e meia já estava em casa. Até às sete e meia foi um desfiar de idéias que me tomaram conta da vida como aquelas alcoviteiras que toda a gente tem pelo menos uma por perto e que magicam intrigas para levarem vantagem.
Negociar com o Criador é negociar com as cartas todas na mesa. Não vale batota. Ele sabe tudo. Conhece-nos por dentro e por fora. Vira-nos do avesso. Acaba-nos com as frescuras em três tempos. Por isso jogar com o Criador tem de ser jogo limpo.
Tenho por perto alguém profundamente crente que me diz nos momentos menos bons: Entrega nas mãos de Deus. A primeira vez que ouvi isto não foi há muitos anos. Achava que a minha entrega era demasiado grande para mãos tão pequenas. Que arrogância a minha! Depois, porque estas coisas requerem muita humildade, paciência, confiança e reflecção e porque quando a gente perde tudo, ou julga que perde tudo, é obrigada a agarrar na mão que nos é estendida, porque outras mãos, muitas, ficam nas encolhas, que pimenta no rabo dos outros para nós é cocó de bébé, aos poucos fui-me convencendo. Era pegar...ou pegar. À medida que relaxava e libertava os pensamentos e sentimentos que atrasam a nossa vida ( já estava a acreditar nisso ), a coisa fazia-se. Quando dei por isso, a minha vida já estava a correr sobre rodas.
A entrega estava feita. As mãos de Deus são gigantescas.
De vez em quando, entro num acordo. Aprendi na minha profissão que vale mais um mau acordo do que uma boa sentença. Quando a coisa fica incontrolável na minha cabeça, falo com Ele, de coração aberto e humildemente. Não me custa, embora ache sempre que os meus pedidos podem não ser levados em consideração perante a miséria do mundo. Mas eu confio no universo e não me tenho dado mal. Há uma coisa que eu sei fazer muito bem. Reconhecer quem me ajuda, ser grata e agradecer. É o que Lhe faço todos os dias. E Lhe olho de frente e Lhe sustento o olhar. Sem arrogância. Com honestidade, sabendo qual é o meu lugar.
Entrei em casa às 6,30. A Pitanga esfomeada. A casa enorme a gritar silêncios e o dia lá fora lindo. Bebi um copo de leite de soja, de chocolate. A Pitanga, invejosa, também quis. Pûs num pires, um golinho. Cheirou, olhou pra mim como que a chamar-me idiota e saltou para o chão.
Liguei o computador e a televisão.
Sem paciência, percorri alguns blogues que gosto. Li o que lá deixaram escrito, com pouca pachorra para decifrar enigmas, gargalhar com algumas imagens, ou sorrir patetamente com posts com os quais me identifico e me revejo. Ou comentar momentos diários de uma mãe, de uma mulher, ou de um umbigo maior que a minha falta de paciência. De seguida fui ao hotmail. Depois ao gmail e ao facebook. Nesse entretanto já eu me questionara mil e uma vezes sobre este estado de alma deprimente e pedira que Ele me surpreendesse com algo que quebrasse a minha inconformação para acabar o dia, acabando-me.
No hotmail tinha dois e-mails que me fizeram pensar coisas, ter vontade de falar com a pessoa que mos mandou, horas a fio, até de madrugada. Mas não posso. Fisicamente não posso.
Também alguém que me mandava mails com assiduidade, deixou de o fazer, vai-se lá saber porquê, e o vazio que o meu hotmail é, depois disso, acrescenta motivo para um fim de tarde daqueles onde não há lugar para abraços do tamanho do mundo. No facebook, é tudo igual. Poemas e mais poemas, alguns que não o são mas que pretendem ser, mas nunca serão, fotografias e mais fotografias, músicas e mais músicas, amigos e mais amigos, tantos e tão amigos que é mesmo brincar às amizades, porque afinal, entrei em casa às 6,30 e fiquei só. Com a Pitanga, que não tem facebook. Oh, se a Pitanga teclasse...aí está outra que seria interessantíssima no mundo virtual. Alguém que me é chegado, diz com muita sapiência que o facebook torna qualquer mortal muito mais interessante, com uma vida do mais deslumbrante e rico que há. Cair na real é cair no esquecimento. Há então que fazer apelos ao mundo virtual.
Não precisei de os fazer. Bastou ir a um grupo de amigos de angola e lá encontrei uns comentários a mim dirigidos que me fizeram pensar que eu ando de bem com Deus. A seguir alguém me entra em casa, através do chat pedindo que fosse ler um poema seu e lhe dissesse se poderia colocar num grupo a que ambas pertencemos ou se era muito triste. Falámos ao telefone porque lhe liguei para lhe dizer que achara o escrito fantástico e que o grupo merecia ler as suas palavras. Se eu estivesse no Olival, iamos jantar ao Mulemba, era certo e sabido. Mas em casa é que eu não jantei. Se o tivesse feito teria mexido uns ovos caseiros, do galinheiro da Lurdes, que mos deu a semana passada quando lá fui à quintarola e uma salada de tomate, alface e cebola que também trouxe de lá, regada com azeite que comprei e oregãos que a Manuela apanhou no campo e mos ofereceu. No fim comeria uma pera que é também da pereira do mano Zé.
Mas apesar de ter entrado às 6,30, e a minha casa estar horrivelmente vazia, que até a Pitanga a deve deitar pelos olhos, a minha caçula passado um pouco, ligou. Mana, onde estás? Vou sair cedo. - Estou em casa. E se ainda menstruasse diria que estou naqueles dias parvos de chorar por tudo e por nada, porque a voz da caçula, foi a gota d'água que depressa apareceu, feitas muitas, nos meus olhos já mortimhos por chorarem, que só a Pitanga viu, e que veio a correr para o meu colo fazer-me festas na cara, com a patinha felpuda e fofinha e encostar a cabeçinha dela no meu corpo como se percebesse o meu drama, fizesse parte dele e também ela estivesse naqueles dias. Um drama que durava não há mais de uma hora, mas que era, o drama.
E então, percebi que Ele, o Criador, o Universo, Alguém, alguma Energia boa, se apoderou do meu tempo, da minha vontade e da de pessoas que por vezes são como Anjos na nossa vida.
E tudo ficou nos seus lugares.

3 comentários:

Anónimo disse...

Que bem escreves Maria Clara!
Para quando um livro???Vai e aposta nisso!
Beijinhos

Elena Sines

maria disse...

Soberbo, Clarinha.
Adorei.
beijito.

Constancia disse...

Fico sempre encantada, umas vezes, mais que outras ...mas algo que admiro, é a forma como tu consegues, ligar coisas que inicialmente, parecem não ter nada a ver umas com as outras, mas que no final fazem sentido e me põem a pensar... faço minhas as palavras da Elena: "Para quando o livro" tenho a certeza que só iria parar de ler no final do último capítulo. Beijinhos e continuação de um bom fim de semana.