Não é Luanda. Nem lá...
Não é no bairro. Nem no portão dos vizinhos de trás da casa. Ou no muro do Colégio. Dentro d' um cesto, tapado com um pano de franjas, vermelho e branco de xadrez.. Ou papel pardo.
Não é na Baixa, junto da Mutamba. Ali mesmo em frente do Espelho da Moda. Ou atravessando a Rua da Missão como quem vai sabe-se lá para onde. Onde lhe leva a vontade de vender e levar para casa sustento.
Correndo pela cidade fora, a zungueira dos tempos modernos; corsários, xinelos, blusa sem costas, óculos de sol, telemóvel numa mão, a outra segurando a bacia colorida. Ou a quinda.
Não me chamam de mãe, mãezinha, tia ou madrinha. Nem me dão um a mais, para " a esquebra ".
Mas tal como todos os que são apregoados na nguimbi, fugidos dos fiscais, num pernas para te quero que Deus há-de ajudar, igual aos vendendores ambulantes sem licença vendendo gravatas e lenços nas ruas da baixa pombalina, tal como esses, sofridos, são os doces de coco e de jinguba do meu, nosso imaginário, do tempo dos tambarinos e das maçãs da índia roubados da árvore, também num pernas para que te quero que o quintal tem cão.
E porque são como esses, as mãos que os fazem são mãos de S. Paulo, agora Sambizanga. São as mãos da tia Helena. Uma mulher com morada aqui neste lugar mas que vai a S. Paulo a cada dois meses. Uma mulher da minha terra. Que se veste de panos e quimono. Sorri alegremente sem favor nem cinismo. E que me chama, se não a vejo, quando entro na sua casa.
Sentada numa mesa de canto,
-psssssss, Clara!
Faço-lhe uma festa. Desde o Natal que não voltei ali. Precisamente o memso tempo que me separa do Ribatejo.
Perguntei pela Mizé. Está lá em cima, respondeu-me. Lá em cima é em casa, no andar que fica por cima do restaurante. Ao balcão estão dois empregados e o marido, com a neta. Os olhos postos na televisão. A verem o Benfica jogar. Ela também.
- São do Benfica?
Somos.
Pediu que chegasse a ela, a quinda com os doces. Escolheu-os.
- Se vieres amanhã já tem mais de coco. Amanhã é que vou fazer.
Olha, no outro dia esteve aqui uma senhora parecida contigo. Mora ali em baixo, na outra rua. Veio cá no dia que o Carlão tocou, olhei p'ra ela, mas é a Clara? Se ficarem juntas vão dizer que são irmãs.
Sorri-lhe. Sei quem é. Sim, parece que somos mesmo parecidas. E angolanas as duas. E estivemos para ir juntas ouvir o Carlão, não fosse o compromisso já marcado que me impediu assim de ir.
Embrulhou os doces em papel de prata. Ficámos ali a desenferrujar a língua. Ela de boné, com o símbolo da bandeira angolana. Um cachecol do partido do governo embrulhando-lhe as costas. De vez em quando desviava os olhos para a televisão, ansiosa que o seu clube, o nosso clube, marcasse um golo.
Não é em Luanda. Mas apenas à distância de não mais de três minutos, o Marçal, o bairro onde cresceu, representado aqui, praticamente à mesma distância de outros tempos. Por ela.
Com ironia, ocorre-me dizer o que já alguém disse e escreveu -
Da minha janela vejo África. E não é que é mesmo verdade?
Não é no bairro. Nem no portão dos vizinhos de trás da casa. Ou no muro do Colégio. Dentro d' um cesto, tapado com um pano de franjas, vermelho e branco de xadrez.. Ou papel pardo.
Não é na Baixa, junto da Mutamba. Ali mesmo em frente do Espelho da Moda. Ou atravessando a Rua da Missão como quem vai sabe-se lá para onde. Onde lhe leva a vontade de vender e levar para casa sustento.
Correndo pela cidade fora, a zungueira dos tempos modernos; corsários, xinelos, blusa sem costas, óculos de sol, telemóvel numa mão, a outra segurando a bacia colorida. Ou a quinda.
Não me chamam de mãe, mãezinha, tia ou madrinha. Nem me dão um a mais, para " a esquebra ".
Mas tal como todos os que são apregoados na nguimbi, fugidos dos fiscais, num pernas para te quero que Deus há-de ajudar, igual aos vendendores ambulantes sem licença vendendo gravatas e lenços nas ruas da baixa pombalina, tal como esses, sofridos, são os doces de coco e de jinguba do meu, nosso imaginário, do tempo dos tambarinos e das maçãs da índia roubados da árvore, também num pernas para que te quero que o quintal tem cão.
E porque são como esses, as mãos que os fazem são mãos de S. Paulo, agora Sambizanga. São as mãos da tia Helena. Uma mulher com morada aqui neste lugar mas que vai a S. Paulo a cada dois meses. Uma mulher da minha terra. Que se veste de panos e quimono. Sorri alegremente sem favor nem cinismo. E que me chama, se não a vejo, quando entro na sua casa.
Sentada numa mesa de canto,
-psssssss, Clara!
Faço-lhe uma festa. Desde o Natal que não voltei ali. Precisamente o memso tempo que me separa do Ribatejo.
Perguntei pela Mizé. Está lá em cima, respondeu-me. Lá em cima é em casa, no andar que fica por cima do restaurante. Ao balcão estão dois empregados e o marido, com a neta. Os olhos postos na televisão. A verem o Benfica jogar. Ela também.
- São do Benfica?
Somos.
Pediu que chegasse a ela, a quinda com os doces. Escolheu-os.
- Se vieres amanhã já tem mais de coco. Amanhã é que vou fazer.
Olha, no outro dia esteve aqui uma senhora parecida contigo. Mora ali em baixo, na outra rua. Veio cá no dia que o Carlão tocou, olhei p'ra ela, mas é a Clara? Se ficarem juntas vão dizer que são irmãs.
Sorri-lhe. Sei quem é. Sim, parece que somos mesmo parecidas. E angolanas as duas. E estivemos para ir juntas ouvir o Carlão, não fosse o compromisso já marcado que me impediu assim de ir.
Embrulhou os doces em papel de prata. Ficámos ali a desenferrujar a língua. Ela de boné, com o símbolo da bandeira angolana. Um cachecol do partido do governo embrulhando-lhe as costas. De vez em quando desviava os olhos para a televisão, ansiosa que o seu clube, o nosso clube, marcasse um golo.
Não é em Luanda. Mas apenas à distância de não mais de três minutos, o Marçal, o bairro onde cresceu, representado aqui, praticamente à mesma distância de outros tempos. Por ela.
Com ironia, ocorre-me dizer o que já alguém disse e escreveu -
Da minha janela vejo África. E não é que é mesmo verdade?
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