- O que é que tu sentes ao ouvir o hino?
- Sinto que sou português.
- O que é isso de ser português?
- É ser especial.
A criança de dez anos responde. A jornalista pergunta.
Ser português, é ser especial.
É p'ra mim surpreendente esta resposta.
Ocorre-me um som antigo e ensinado há muitas décadas, num então pedaço de paraíso que diziam, era Portugal, onde nasci.
"...Pela pátria lutar, lutar, contra os canhões marchar, marchar..."
E é aqui que eu esbarro. Se não tropeçasse antes em toda uma letra, mais do que na música. Em toda uma voz em coro. Em toda uma força. Em todo um país. Em todo um número sem fim de questões que me fiz sempre. Em todo o conceito do que deve ser ser português.
Decididamente não sou um bom exemplo. A minha portugalidade é questionável. Sobretudo por mim.
Ensinaram-me que a minha bandeira era a portuguesa.
E que o hino, começava por - " Heróis do mar, nobre povo, nação valente, imortal ". Ainda que os historiadores argumentem, não gostem da veleidade com que ponho em causa a necessidade de terem sido heróis do mar, nobres e valentes, também imortais, num crédito que a fé lhes deu, ( é que uma mentira repetida muitas vezes transforma-se numa inocente verdade ), e que a aplicaram e espalharam entre os povos que foram encontrando, a verdade é que hoje não me parece de grande préstimo a língua portuguesa ter sido espalhada pelo mundo, pois que é o espanhol que as escolas ensinam para assim outros povos poderem comunicar, pois que, se viram do avesso para que haja acordos ortográficos que ninguém quer.
Os mares não lhes pertencem e o povo nunca terá as benesses da nobreza actual. A valentia, essa, adquire-se num qualquer ginásio, puxando pelos músculos e aconselhado por um PT profissional.
Valentes ? São todos os que fazem o exercício de sobreviver às agruras dum país desgovernado.
E porque tenho o péssimo (?) hábito de me colocar no lugar do outro, responderia assim se mo perguntassem.
- O que é que tu sentes ao ouvir o hino?
- Sinto que sei a música de cor. E canto-o bem mas nem a mim alegro. Sinto que sou quase tão antiga e desactualizada quanto o hino.
- O que é isso?
- São muitos anos a cantar e a ouvir a portuguesa. São muitos anos a fazer de conta. A apelar ao sentimento. A fazer o papel da desgraçadinha. São muitos anos a colher louros que não nos pertencem.
São muitos anos a sentir um arrepio na pele. Algumas vezes, nos jogos da selecção.
- Só? perguntar-me-iam.
- Quase só. É que apesar de me ensinarem que Portugal também ia de Cabinda ao Cunene, eu nunca acreditei.
É que em 1975 quando aqui cheguei, ninguém me reconheceu portuguesa.
É que ser filha de pais portugueses, ter nascido numa colónia portuguesa, falar português, viver há 37 anos em Portugal e ter BI nacional, não faz de mim portuguesa.
Mas...apesar de tudo me dizer que não basta, eu sou. Também legalmente. E cumpro. Cumpri sempre.
E como cidadã exemplar, com direito a descarregar o seu voto, que gosta do país onde vive, com o qual tem laços afectivos fortes, desde ser filha de portugueses a ser mãe de dois portugueses, hoje, especialmente hoje, ocorre-me cantar uma parte do hino a ver se se cumpre também o meu e o destino dos portugueses, que muito respeito.
"...Levantai hoje de novo o esplendor de Portugal! Entre as brumas da memória, ó Pátria sente-se a voz dos teus egrégios avós, que há-de guiar-te à vitória! Às armas, às armas! Sobre a terra, sobre o mar, às armas, às armas! Pela Pátria lutar..."
Viva Portugal!
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