Assim que as férias e Agosto chegavam ao fim e Setembro nascia nostalgicamente no calendário, com dias mais pequenos e noites a pedirem mantas enroladas nas pernas, chá e séries até o sono chegar, as feiras anuais faziam-se presentes no pavilhão montado para o efeito.
Eram os objectivos a renovarem-se para que a depressão não se anunciasse e idas ao médico, anti-depressivos e outras mazelas se rejeitassem, alma triste com o fim do verão.
Logo no início do mês abria-se ao público a feira das empresas e dos serviços. Ostensiva e animada. Gravatas, saltos altos, tapetes vermelhos e brindes, demonstrações, vendas e ilusões. Conversa daqui, beijo dacoli, abraços e palmadinhas nas costas. Aos mais raros na presença.
Logo a seguir, era a feira dos frutos secos. Repetia-se o ritual. A procissão às bancas de figos, nozes, amêndoas, amendoins, tâmaras, avelãs, pinhões, passas de uva e amêndoas do brasil. Aos bolos feitos com essas frutas. E outros. Ao artesanato e às barraca de pão com chouriço da Antónia, a ex do Pipas, " cliente " do tribunal.
Enquanto se comiam os frutos da feira os dias arrefeciam, as chuvas surgiam e o tempo passava mais veloz do que era suposto. Os cobertores mudavam-se dos armários para as camas, o calçado de inverno saía das caixas, os casacos arejavam-se e comiam-se dióspiros e bagas de romã ao serão. Da cesta das lãs surgia aos poucos um cachecol. A hora mudava. E mal escurecesse, já das chaminés, o fumo e cheiro a lenha a lembrar Outono, das castanhas e da água pé. Das broas dos Santos.
Novembro vinha pela mão do feriado de todos os Santos, o dia do bolinho. A pequenada, numa velha e inquebrável tradição, juntava-se e de saco na mão tocava a todas as campainhas que encontrava pedindo o pão por Deus. Depois eram os aniversários de família. Muitos. Parecia que todas tinham escolhido o mês de Fevereiro para engravidarem, só para darem à luz em Novembro. Primeiro o aniversário da primogénita. As prendas. A festa. A família reunida. Os amigos. Depois o mano Zé, a seguir a mãe e no dia seguinte o caçula. Assim passava Novembro entre presentes, bolos, parabéns e a aproximação ao Natal.
Assim passava o Outono. Naquele lugar.
A vida na província, ( província ? ) pode ser maravilhosa. Cidade pequena. Com o suficiente para a gente se governar.
Estádio de futebol. Pavilhões de desportos. Piscinas. Biblioteca. Cine-teatro, bombeiros. escolas secundárias, escola superior. Hospital, hipermercados, ginásios, esplanadas, restaurantes, discotecas e bares, centro comercial, fábricas, igrejas, ruínas romanas, grutas, bancos, lojas, mercado, hotéis, rio, castelo, andares, vivendas, condomínios fechados, jardins. Serra. Cidade bonita e aberta. À auto-estrada, para norte e para sul. Uma hora da capital. Isto para quem conduz a cem à hora. Para os ases do volante, quarenta e cinco minutos chegavam. Ali ao dobrar da esquina...
E há quem a dobre. Eu dobrei, mudando-me de armas e bagagens, ficando paredes meias com a cidade grande. Mas quando chega o Outono apetecem-me merendeiras, morcelas de arroz com grelos, a sirene dos bombeiros dando o meio-dia de domingo, caminhada, descer o viaduto e andar no TUT desde o hipermercado até casa. Sentir o perfume da alfazema, o frio na pele e olhar a serra d'Aire quebrada pela muralha do castelo, comprar a fruta na loja da Rita, conversar com a Lurdes, mãe do Vasco e do Alfredo, sobre a nossa terra, passar a ponte e olhar as quedas d' água do Almonda perto da cadeia.
Afinal ter saudade de quase quatro décadas é ter a certeza de que não passei por acaso tantos outonos na província mesmo tendo estando quase sempre com um pé em Lisboa e outro em Luanda.
Um dia destes vou matar as saudades...
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