Ele foi um homem de Luanda. Da Vila Alice. Da avenida Brasil, quando esta se chamava Rua do Saber Andar. No tempo em que o asfalto parava em frente às bombas da gasolina Mobil e os candeeiros também.
Construiu ali uma casa, de costas para o largo Camilo Pessanha, de frente para a Caop, bairro que ajudou a construir também.
Vizinho do bar do Miguel e da padaria Independente na esquerda. De sô Santos na direita.
Preparou caminho para a mulher, Rosalina das Dores e para a filha de ambos e assim que pôde, elas chegaram também à cidade, saídas duma aldeia de Tondela.
Foram ali felizes até que uma doença prolongada e fatal lhe levou a mulher, ficando a braços com a sua única filha, uma menina ainda.
Ele foi um homem íntegro. Respeitado. Inspirava respeito a todos que com ele conviviam. A todos os que ainda hoje o recordam.
Quando era preciso punha tudo em sentido embora já não fosse militar há muitos anos.
Homem alto, bem constituído, bonito, cabelo farto, olhar penetrante e brincalhão, sorriso malandro, bailando-lhe a cada olhar poisado nos olhos de outros; muitos silêncios, poucas palavras, escolha certa no tom, bem humorado, piada inteligente, decisões justas, de uma só palavra. Dono do seu nariz, fazia o que a razão e o coração lhe mandavam.
Não dizia palavrões, ( gostava de dizer mataco e aka ) não bebia, não fumava. Apenas cerveja preta. Apenas um cigarro ou outro que não terminava, deitando fora o fumo todo que até parecia um sapo a fumar, coisa própria de quem não quer vício, não gosta de tabaco, não se vai perder de amores nunca por cigarros nem vai manchar os dedos de nicotina.
Era um homem de madrugar e deitar cedo. De muito trabalhar. De poupar. Amigo do seu amigo, amigo de ajudar. Amigo de dar. Um homem generoso.
Gostava de ler o jornal. De fazer piqueniques com a família.
Gostava da Académica de Viseu, de Coimbra e do Belenenses.
Gostava de tiro aos pratos.
Gostava de árvores de frutos e de rosas. Plantou-as no seu quintal.
Mangueiras, romãzeiras, pitangueiras, goiabeiras, árvore de sape-sape e de fruta-pinha. Até ananases e morangos, nos canteiros. E uma figueira da metrópole.
Roseiras. Muitas, Rosas brancas, encarnadas, cor de rosa, cor de chá, amarelas. Cravos e cravinhos, também. Regava-as com um amor profundo e a vontade de ver florir tudo o que plantava.
Ah, e tinha um cágado, enorme. Que se deslocava algumas vezes lentamente e permanecia imóvel outras tantas, que por vezes parecia que morrera.
Tinha uma carrinha azul. E levava quem precisasse, quem lhe pedia, quem gostava, a passear. Os sábados eram sagrados. E os domingos também.
Entre visitar a campa da mulher no cemitério de Sant'ana, na estrada de Catete, regar as flores à volta da campa com o regador, ir buscar a correspondência à caixa postal nos correios da baixa, aos passeios à Xicala, às salinas, lá para as bandas da Corimba, o clube dos Caçadores, ao Cazumbi, no Miramar, o fim de semana passava.
Depois, foi um homem de Angola. Deixou Luanda para trabalhar no Locala. Onde construiu a ponte. E seguiu por aí fora.
Foi um homem do Namibe, na época Moçâmedes. Na construção de fábricas e armazéns de peixe. Bairros de pescadores. E por fim foi um homem de Tombua, na época, Porto Alexandre. Um homem do deserto.
Ao longo dos anos foi um homem amado. Foi um homem que amou.
Construiu uma nova vida, nova família, com mulher e filhos, ali a sul. E manteve a sua família antiga, em Luanda.
Foi um homem em fuga, sobrevivente, corajoso e vencedor mesmo quando se sentiu vencido.
Chegou ao Algarve numa traineira com a mulher e filhos. Sem recursos, nem casa, trabalho, ou perspectivas.
Levantou a cabeça, pegou nas bikuatas, aceitou o convite da sua irmã Olívia para voltar para a sua terra, para a casa dos pais de ambos, pertença dessa irmã, numa aldeia junto ao Caramulo. E foi.
Foi um homem que lutou. Levantou os braços, esfriou a cabeça e recomeçou.
Foi um homem de verdade. Honesto, puro, admirável.
Foi um homem que eu amei. Tudo o que se pode amar, com o coração de menina e de mulher. Tudo o que se pode admirar. Tudo o que se pode idolatrar.
Este homem foi o meu avô. De seu nome, António Rodrigues Carvalho.
Hoje, ( 17 de Maio ) faria mais de cem anos. Cento e três. Diz a minha tia Manuela. Com a certeza de filha caçula.
Ainda hoje se fala dele, com respeito, admiração e saudade, nas rodas de amigos de infância, nos encontros de afectos. E isso enche-me de amor e orgulho.
P.S. Amar-te-ei por toda a eternidade, avô Carvalho.
Foste a pessoa menos imperfeita que se cruzou no meu imperfeito caminho. Por isso, o meu ídolo.
Construiu ali uma casa, de costas para o largo Camilo Pessanha, de frente para a Caop, bairro que ajudou a construir também.
Vizinho do bar do Miguel e da padaria Independente na esquerda. De sô Santos na direita.
Preparou caminho para a mulher, Rosalina das Dores e para a filha de ambos e assim que pôde, elas chegaram também à cidade, saídas duma aldeia de Tondela.
Foram ali felizes até que uma doença prolongada e fatal lhe levou a mulher, ficando a braços com a sua única filha, uma menina ainda.
Ele foi um homem íntegro. Respeitado. Inspirava respeito a todos que com ele conviviam. A todos os que ainda hoje o recordam.
Quando era preciso punha tudo em sentido embora já não fosse militar há muitos anos.
Homem alto, bem constituído, bonito, cabelo farto, olhar penetrante e brincalhão, sorriso malandro, bailando-lhe a cada olhar poisado nos olhos de outros; muitos silêncios, poucas palavras, escolha certa no tom, bem humorado, piada inteligente, decisões justas, de uma só palavra. Dono do seu nariz, fazia o que a razão e o coração lhe mandavam.
Não dizia palavrões, ( gostava de dizer mataco e aka ) não bebia, não fumava. Apenas cerveja preta. Apenas um cigarro ou outro que não terminava, deitando fora o fumo todo que até parecia um sapo a fumar, coisa própria de quem não quer vício, não gosta de tabaco, não se vai perder de amores nunca por cigarros nem vai manchar os dedos de nicotina.
Era um homem de madrugar e deitar cedo. De muito trabalhar. De poupar. Amigo do seu amigo, amigo de ajudar. Amigo de dar. Um homem generoso.
Gostava de ler o jornal. De fazer piqueniques com a família.
Gostava da Académica de Viseu, de Coimbra e do Belenenses.
Gostava de tiro aos pratos.
Gostava de árvores de frutos e de rosas. Plantou-as no seu quintal.
Mangueiras, romãzeiras, pitangueiras, goiabeiras, árvore de sape-sape e de fruta-pinha. Até ananases e morangos, nos canteiros. E uma figueira da metrópole.
Roseiras. Muitas, Rosas brancas, encarnadas, cor de rosa, cor de chá, amarelas. Cravos e cravinhos, também. Regava-as com um amor profundo e a vontade de ver florir tudo o que plantava.
Ah, e tinha um cágado, enorme. Que se deslocava algumas vezes lentamente e permanecia imóvel outras tantas, que por vezes parecia que morrera.
Tinha uma carrinha azul. E levava quem precisasse, quem lhe pedia, quem gostava, a passear. Os sábados eram sagrados. E os domingos também.
Entre visitar a campa da mulher no cemitério de Sant'ana, na estrada de Catete, regar as flores à volta da campa com o regador, ir buscar a correspondência à caixa postal nos correios da baixa, aos passeios à Xicala, às salinas, lá para as bandas da Corimba, o clube dos Caçadores, ao Cazumbi, no Miramar, o fim de semana passava.
Depois, foi um homem de Angola. Deixou Luanda para trabalhar no Locala. Onde construiu a ponte. E seguiu por aí fora.
Foi um homem do Namibe, na época Moçâmedes. Na construção de fábricas e armazéns de peixe. Bairros de pescadores. E por fim foi um homem de Tombua, na época, Porto Alexandre. Um homem do deserto.
Ao longo dos anos foi um homem amado. Foi um homem que amou.
Construiu uma nova vida, nova família, com mulher e filhos, ali a sul. E manteve a sua família antiga, em Luanda.
Foi um homem em fuga, sobrevivente, corajoso e vencedor mesmo quando se sentiu vencido.
Chegou ao Algarve numa traineira com a mulher e filhos. Sem recursos, nem casa, trabalho, ou perspectivas.
Levantou a cabeça, pegou nas bikuatas, aceitou o convite da sua irmã Olívia para voltar para a sua terra, para a casa dos pais de ambos, pertença dessa irmã, numa aldeia junto ao Caramulo. E foi.
Foi um homem que lutou. Levantou os braços, esfriou a cabeça e recomeçou.
Foi um homem de verdade. Honesto, puro, admirável.
Foi um homem que eu amei. Tudo o que se pode amar, com o coração de menina e de mulher. Tudo o que se pode admirar. Tudo o que se pode idolatrar.
Este homem foi o meu avô. De seu nome, António Rodrigues Carvalho.
Hoje, ( 17 de Maio ) faria mais de cem anos. Cento e três. Diz a minha tia Manuela. Com a certeza de filha caçula.
Ainda hoje se fala dele, com respeito, admiração e saudade, nas rodas de amigos de infância, nos encontros de afectos. E isso enche-me de amor e orgulho.
P.S. Amar-te-ei por toda a eternidade, avô Carvalho.
Foste a pessoa menos imperfeita que se cruzou no meu imperfeito caminho. Por isso, o meu ídolo.
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