sábado, 5 de janeiro de 2013

viajando no tempo


É em dias assim como o de hoje, logo pela manhã, o sol a beijar-me os olhos, a música a tocar-me a alma embalando-me o silêncio, quebrado pela rádio, a caminho de Lisboa, que eu, pessoa tranquila em viagem, me vejo eternamente viajante. A viajante.  Sempre desejando partir e chegar. E ficar, ficar, ficar...
Ficar-me preguiçosmente, nesse intervalo que vai de um ponto a outro da viagem. 
É nesse momento que me sinto verdadeiramente viajante. 
É nesse tempo de liberdade, introspeção e observação que eu me encontro e me perco em sonhos, questões e soluções. Balanços e projectos. 
É nesse monólogo rico em inspiração para a minha vida futura que me inquieto, aquieto e me viajo.
É esse, um tempo verdadeiramente meu. A viagem...
É em dias assim como o de hoje, enquanto sigo, olhando terras de Ribatejo, terras ensopadas pelas chuvadas recentes, cegonhas voando,o Tejo correndo veloz para o mar, o verde mais verde, o céu azul, mais azul, a lua pela metade, os viadutos e pontes que nos levam para sul, que mais viajante me sinto. Na contradição de a tudo me agarrar, criar raízes e deixar-me prender e ao mesmo tempo soltar-me e desejar mundo; ver e sentir o mundo, sair, fugir, partir e chegar. Talvez porque mais do que tocar a meta o que vale mesmo é percorrer o caminho que me leva à meta. Esse tempo da viagem. A idéia de...
Páro de escrever. De olhar o horizonte. O Ribatejo e o seu encanto. Estou perto de Vila Franca. Onde o cimento põe fim à minha vontade de ser feliz. Sonhadora.
Tiro um livro do saco. Os Transparentes, de Ondjaki. Abro-o. E leio " acabou o tempo de lembrar, choro no dia seguinte as coisas que devia chorar hoje "
Sinto um nó no estômago. Lembro-me da Gina. Que vai a enterrar hoje. 
Não chorei ontem quando soube que partira numa viagem sem regresso. A sua derradeira viagem. Ou talvez não. Nunca o saberemos. Os crentes acreditam na ressurreição.
Volto a ler, " acabou o tempo de lembrar... Choro..."
Uma lágrima insiste em brilhar. Como uma estrela, cintila. Não a seguro. Deixo-a livre. Hoje já é o dia seguinte.
O escritor sabe o que sente e o que deve escrever. Como deve escrever.
Gosto de escritores. De palavras. De intenções.
Adivinho uma bela viagem a bordo da leitura deste livro, presente de filha.
Adivinho uma escrita que me há-de fazer feliz.
Ficaram-me as palavras " acabou o tempo de lembrar...".


2 comentários:

Maria Luisa Adães disse...

"Ficaram-me as palavras
Ficou o tempo de lembrar"...

E o texto é muito bom e eu gostei!

Maria Luísa Adães

"os7degraus"

Maria Clara disse...

Muito obrigada Maria Luísa Adães.

Beijos