quarta-feira, 7 de setembro de 2016

pior cego é o que não quer ver

Acordei do avesso. E estou com sérias e absurdas dificuldades em me pôr na minha pele de ausente, letárgica, apática pessoa. Supervivente pessoa.
Antes de a vestir, para minha sobrevivência, tenho umas quantas coisas prontas para que o universo as receba e faça com elas o que melhor lhe aprouver.
Então é assim - Já nem nos hospitais estamos seguros. Há um inimigo que pode ser comum. Bactérias multiresistentes. É o que dizem ser agora o mal, na ordem do dia. 
O país ardeu e o que resta está a arder. Morrem bombeiros. Ardem carros dos bombeiros e d' outros. Morrem animais e as populações perdem os seus haveres. 
O país debita parte d' um pulmão essencial para a saúde pública. Mas sem pagantes. Senão, uns poucos, pequenos e desprezíveis peões, apanhados com a boca na botija e a mão no isqueiro. 
Na senda militar, rapazes, filhos de suas mães, criados como a gente cria filhos, morre às mãos do Lobo Mau. Duma especialidade temida desde que me lembro de existir - Comandos. À pratica de treinos e métodos acima do compreensível, abaixo do humano. E pergunto eu, para quê esse orgulho de se ser e formar comandos, feios, brutos e porcos. Numa terra onde nem os fogos se conseguem combater. 
Pergunto eu com quem vão combater esses bravos rapazes formatados para o pior, se vemos o Estado Islâmico somar vitórias, derrotar gente branda e de paz mesmo ali ao lado. Na Síria. Se vemos a Europa mais equipada, quer d' homens, quer d' armas, quer de governantes " aparentemente " esclarecidos e lúcidos, assistir de camarote a tamanha hecatombe.
Acordei do avesso. E sei que tenho de enfarpelar-me como toda a gente. 
Enquanto isso, observo o povo zangado com a derrota de Portugal. Mas também o vejo ainda de férias lambuzando-se em gelados e bolas de berlim, enquanto mergulha em águas cálidas, como há décadas assim não as sentiam. 
Vejo claramente visto o povo esfregando as mãos de alegria ao próximo reality show. Preparando as lágrimas da saudade duma colónia onde viveram, à telenovela que esta semana começou.
Vejo esperança renovada no euromilhões de sexta, acumulado com o último, em jackpot. Vejo sonhos d'um próximo Natal... 
Acordei do avesso; e porque não posso sair de casa nesse jeito estranho de estar e ser, sob pena de internamento compulsivo, aos poucos e a cada parágrafo fui eu própria colocando o colete de forças com que me protejo nos dias mais esquerdos. Aqueles em que dói a realidade d' um país onde anda 
tudo a chutar para canto, a assobiar para o lado, a assistir à morte da bezerra sem mexer uma palha ou ter poder para tal. 
Acordei do avesso. Meti o dedo na ferida. E sangrou. Expurguei a minhas culpas e dores. E agora vou sair já com o fato de rua. Devidamente engomado. Sem saia justa nem mangas de alpaca ou luvas brancas. Nunca usei. E com o calor não dá jeito nenhum. E não faz pandã com a minha pele.

m.c.s.

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