Ele é lembrança de choro de pai.
No dia derradeiro em que a notícia chegou. Que partira...
Ouvira dele falar vezes sem conta, que nem sei contar. Ouvi depois ainda mais, na saudade que nunca mais teria encontro com o amor. Filial.
Era um homem rude, de estatura mediana. Trabalhador. Pastor, agricultor, negociante de gado, no fim foi até caseiro de quinta, de senhores. Era homem de palavra, reconhecido como tal, não precisava assinar para nele se acreditar, homem de muitos silêncios e de muitos olhares. Ordens. Respeito. Dele não tenho senão as memórias das memórias do seu filho. De seus filhos. D' um tempo distante e perdido entre montes e serras, rios e contrabandistas. Fronteiras, giestas e estevas. Suor, família, sobrevivência, garra e coragem. Chamava-se Francisco. Transmontano de gema. Da solidão e do poder, de ecos e saber.
Era pai do meu pai.
Ela foi uma constante. Na minha vida. Apenas de ouvir falar. Foi doença. Foi dor e saudade, exemplo de mulher coragem que muito sofreu num tempo difícil que o bicho papão se alojou no seu corpo até que a vitimou.
Ela foi venerada. Chorada. Falada por alguns. Diziam que teve azar. Foi campa no cemitério. De Santana. Na Estrada de Catete.
Com nome. O meu. Flores, regadas com o regador. Ela foi as minhas manhãs de domingo. Dias de finados. Companhia com o avô.
Ela foi uma presença que abandonei deixando p' ra trás, quando parti para longe. E ela ficou. Sepultada. Ela foi ansiedade, desejo ardente, recuperada, quando voltei ao lugar que tinha deixado décadas atrás. Ela foi emoção, quando me dirigi ao talhão onde estivera sempre, na minha memória afectiva.
Chamava-se Rosalina das Dores. Mulher da Beira Alta, perto do Caramulo. Entre a serra e o sopé. Camélias e palácios reais.
Era mãe da minha mãe.
Ela era olho cinzento e pequenino. Carrapito e pele branquíssima. Alta e elegante. De negro vestida. Meias nas pernas e lenço na cabeça, de viúva fora de tempo que cedo viu partir o seu par. Voz de comando, sabia ser doce e calma. Sorriso envergonhado. Muita educação.
Foi companheira de quarto e de cama quando nos foi visitar e ficou até se fartar. Foi compincha e cúmplice, na minha adolescência. Foi presença. Foi alguém a quem aprendi a amar. Diziam parecida comigo, eu com ela, nos feitios. E nos defeitos. Na autoridade, persistência, amuo. Na imaginação para qualquer situação. No exagero e dramatismo. No porte altivo e seguro. Na determinação. Herdei até o nome dela.
De seu nome Clara, transmontana orgulhosa, criou oito filhos, e mais quatro, que crianças, perdeu. Trabalhou no campo e em casa. Fez queijos, encheu chouriços, farinheiras, alheiras, fez paios, salpicões e presuntos. E ainda foi cozinheira na escola da terra. Fez pela vida e pelos filhos, pela família e pela aldeia. Foi estimada por todos e p'ra todos era a senhora Clara. Era a mãe do meu pai.
Ele era o super-herói. Pai na vez de pai. Mãe na vez de mãe e também na presença de ambos. Era o meu defensor. Cuidador.
Ele era jipe azul. Pepsi-cola. Pão espanhol aos sábados. Aos domingos Cazumbi e tiro aos pratos. Chicala para um banho rápido. Cemitério e Correios. Passeio. Cantorias. Balões de hélio. Feira popular. Salinas e Corimba. Piqueniques. Ele era homem alto, bonito, olhos pequenos, sorriso malandro, pele queimada do sol. Humor, educação, cerveja preta. Deitar cedo e cedo erguer, seu lema. Ele era Académica de Viseu. Belenenses. Se tivesse que escolher. E homem sem vícios. Diferente.
Generoso. Alma boa. Rigoroso, Exigente. Respeitado. Sábio. Auto-didata. Experiente. Mestre de obras. Empreendedor. Poupado.
Lutador.
Ele era deserto do Namibe, Moçâmedes e Porto Alexandre. Ele era Natal, encontro. Festa de família. Era cartas que iam e vinham e esperança.
Ele era António Rodrigues de Carvalho. Pai da minha mãe.
Ele é o avô Carvalho, meu herói, meu avô, meu grande amor, meu tudo.
A razão de tentar ser quem quero ser, pelo exemplo do que foi.
Eles são os meus avós, hoje e sempre, para sempre apesar da eternidade a separar-nos.
E se um dia for avó quero ser um pouco do que todos foram, um pouco do que cada um me deu. Se assim for, tenho a certeza de que os netos me vão admirar e mais que tudo, amar. Eternizar como eu os eternizei.
No dia derradeiro em que a notícia chegou. Que partira...
Ouvira dele falar vezes sem conta, que nem sei contar. Ouvi depois ainda mais, na saudade que nunca mais teria encontro com o amor. Filial.
Era um homem rude, de estatura mediana. Trabalhador. Pastor, agricultor, negociante de gado, no fim foi até caseiro de quinta, de senhores. Era homem de palavra, reconhecido como tal, não precisava assinar para nele se acreditar, homem de muitos silêncios e de muitos olhares. Ordens. Respeito. Dele não tenho senão as memórias das memórias do seu filho. De seus filhos. D' um tempo distante e perdido entre montes e serras, rios e contrabandistas. Fronteiras, giestas e estevas. Suor, família, sobrevivência, garra e coragem. Chamava-se Francisco. Transmontano de gema. Da solidão e do poder, de ecos e saber.
Era pai do meu pai.
Ela foi uma constante. Na minha vida. Apenas de ouvir falar. Foi doença. Foi dor e saudade, exemplo de mulher coragem que muito sofreu num tempo difícil que o bicho papão se alojou no seu corpo até que a vitimou.
Ela foi venerada. Chorada. Falada por alguns. Diziam que teve azar. Foi campa no cemitério. De Santana. Na Estrada de Catete.
Com nome. O meu. Flores, regadas com o regador. Ela foi as minhas manhãs de domingo. Dias de finados. Companhia com o avô.
Ela foi uma presença que abandonei deixando p' ra trás, quando parti para longe. E ela ficou. Sepultada. Ela foi ansiedade, desejo ardente, recuperada, quando voltei ao lugar que tinha deixado décadas atrás. Ela foi emoção, quando me dirigi ao talhão onde estivera sempre, na minha memória afectiva.
Chamava-se Rosalina das Dores. Mulher da Beira Alta, perto do Caramulo. Entre a serra e o sopé. Camélias e palácios reais.
Era mãe da minha mãe.
Ela era olho cinzento e pequenino. Carrapito e pele branquíssima. Alta e elegante. De negro vestida. Meias nas pernas e lenço na cabeça, de viúva fora de tempo que cedo viu partir o seu par. Voz de comando, sabia ser doce e calma. Sorriso envergonhado. Muita educação.
Foi companheira de quarto e de cama quando nos foi visitar e ficou até se fartar. Foi compincha e cúmplice, na minha adolescência. Foi presença. Foi alguém a quem aprendi a amar. Diziam parecida comigo, eu com ela, nos feitios. E nos defeitos. Na autoridade, persistência, amuo. Na imaginação para qualquer situação. No exagero e dramatismo. No porte altivo e seguro. Na determinação. Herdei até o nome dela.
De seu nome Clara, transmontana orgulhosa, criou oito filhos, e mais quatro, que crianças, perdeu. Trabalhou no campo e em casa. Fez queijos, encheu chouriços, farinheiras, alheiras, fez paios, salpicões e presuntos. E ainda foi cozinheira na escola da terra. Fez pela vida e pelos filhos, pela família e pela aldeia. Foi estimada por todos e p'ra todos era a senhora Clara. Era a mãe do meu pai.
Ele era o super-herói. Pai na vez de pai. Mãe na vez de mãe e também na presença de ambos. Era o meu defensor. Cuidador.
Ele era jipe azul. Pepsi-cola. Pão espanhol aos sábados. Aos domingos Cazumbi e tiro aos pratos. Chicala para um banho rápido. Cemitério e Correios. Passeio. Cantorias. Balões de hélio. Feira popular. Salinas e Corimba. Piqueniques. Ele era homem alto, bonito, olhos pequenos, sorriso malandro, pele queimada do sol. Humor, educação, cerveja preta. Deitar cedo e cedo erguer, seu lema. Ele era Académica de Viseu. Belenenses. Se tivesse que escolher. E homem sem vícios. Diferente.
Generoso. Alma boa. Rigoroso, Exigente. Respeitado. Sábio. Auto-didata. Experiente. Mestre de obras. Empreendedor. Poupado.
Lutador.
Ele era deserto do Namibe, Moçâmedes e Porto Alexandre. Ele era Natal, encontro. Festa de família. Era cartas que iam e vinham e esperança.
Ele era António Rodrigues de Carvalho. Pai da minha mãe.
Ele é o avô Carvalho, meu herói, meu avô, meu grande amor, meu tudo.
A razão de tentar ser quem quero ser, pelo exemplo do que foi.
Eles são os meus avós, hoje e sempre, para sempre apesar da eternidade a separar-nos.
E se um dia for avó quero ser um pouco do que todos foram, um pouco do que cada um me deu. Se assim for, tenho a certeza de que os netos me vão admirar e mais que tudo, amar. Eternizar como eu os eternizei.
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