terça-feira, 29 de julho de 2014

à procura do meu lugar


...naquele dia, chegara ao fim uma etapa. Mas eu não sabia.

Na ingenuidade africana dos vinte anos, na leveza dos dias fáceis, na alegria de tudo ter, a pureza do meu ser levava-me  a  imaginar um intervalo mais  ou  menos  longo  de ausência,  conforme os astros, os homens, a sensatez, os interesses, a família e eu própria. Apenas um intervalo.
...naquele dia, faltou-me o chão. Àquela  notícia  na rádio  que  todos  esperavam. E ansiavam. Eu, não...
Na minha alma sonhadora ainda podia  acontecer o milagre.   Apesar da  razão me  dizer que era o fim dum ciclo, o coração queria continuar a acreditar no sonho de uma terra livre aonde eu saberia qual o meu lugar. O de sempre. De pessoa  apaixonada  pelo seu  trabalho,  sua casa,  sua rua, seu bairro, suas pessoas. Sua vida.
...naquele   dia,  as  malas  foram   feitas à  pressa,   porque   era  urgente  partir.  A  solidariedade internacional ditara aquele, como o  derradeiro dia, a  derradeira   noite,  para  respirar  o cacimbo duma Luanda ferida de morte. Abraçar os que amava e deixar cair os braços no vazio. Para iniciar o longo e doloroso rol de lágrimas que verti depois. Para me despedir. Do meu lugar...
...naquele   dia  abandonei  os  meus  sonhos.  Fugi  dos fantasmas,  cedi  ao  medo,   atrevi-me  ao esquecimento e à substituição.
Abandonei os meus sonhos e fechei-me na minha concha. Morri-me e senti a perda. E sofri. Numa dor d' alma. E amadureci dolorosamente.
...naquele dia não mudei o destino. Mudei-me eu. Mas  nunca mais  encontrei  um lugar  que fosse meu. Ainda hoje, trinta e nove anos depois, persigo  o caminho de volta, para finalmente regressar a mim.

m.c.s.

P.S. faz hoje 39 anos que deixei de morar na minha terra, mas não de lhe pertencer

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