...naquele dia, chegara ao fim uma etapa. Mas eu não sabia.
Na ingenuidade africana dos vinte anos, na leveza dos dias fáceis, na alegria de tudo ter, a pureza do meu ser levava-me a imaginar um intervalo mais ou menos longo de ausência, conforme os astros, os homens, a sensatez, os interesses, a família e eu própria. Apenas um intervalo.
...naquele dia, faltou-me o chão. Àquela notícia na rádio que todos esperavam. E ansiavam. Eu, não...
Na minha alma sonhadora ainda podia acontecer o milagre. Apesar da razão me dizer que era o fim dum ciclo, o coração queria continuar a acreditar no sonho de uma terra livre aonde eu saberia qual o meu lugar. O de sempre. De pessoa apaixonada pelo seu trabalho, sua casa, sua rua, seu bairro, suas pessoas. Sua vida.
...naquele dia, as malas foram feitas à pressa, porque era urgente partir. A solidariedade internacional ditara aquele, como o derradeiro dia, a derradeira noite, para respirar o cacimbo duma Luanda ferida de morte. Abraçar os que amava e deixar cair os braços no vazio. Para iniciar o longo e doloroso rol de lágrimas que verti depois. Para me despedir. Do meu lugar...
...naquele dia abandonei os meus sonhos. Fugi dos fantasmas, cedi ao medo, atrevi-me ao esquecimento e à substituição.
Abandonei os meus sonhos e fechei-me na minha concha. Morri-me e senti a perda. E sofri. Numa dor d' alma. E amadureci dolorosamente.
...naquele dia não mudei o destino. Mudei-me eu. Mas nunca mais encontrei um lugar que fosse meu. Ainda hoje, trinta e nove anos depois, persigo o caminho de volta, para finalmente regressar a mim.
P.S. faz hoje 39 anos que deixei de morar na minha terra, mas não de lhe pertencer
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