Acho, sou benfiquista desde que o vermelho me conquistou, provando-me ser a cor mais linda e vital do universo. Ela é o sangue e a paixão. A bandeira. O verão. O fogo
e as queimadas. O vulcão. As acácias e as rosas do amor. O rubor. O batom. Os morangos, as maçãs e as cerejas. O pôr do sol. Ela é exuberância. Alegria. Intensidade. Atracção. Conquista. Coração.
Nasci com certeza predestinada a ser benfiquista. E apesar de ser oito ou oitenta nos meus sentires fui sempre amornando esta fatalidade. Embalando-a mas não exagerando. Para exageros estavam lá o pai e o tio. Alguns vizinhos e os " loucos ".
Mas, olhando-me alma vermelha, sei que ser benfiquista de alma e coração pode ser a meio da semana, assim,
- Vamos ao estádio domingo? Vamos pois. Então vou passar lá para comprar os bilhetes. Boa, disse eu de sorriso de orelha a orelha. E de repente me adociquei e me vesti de vermelho antevendo um estádio ao rubro. As bandeiras esvoaçando, a águia no seu percurso circular, o rectângulo do jogo, a claque e seus cânticos e a emoção de esticar o cachecol, cinquenta e muitos mil adeptos esticando-o, enquanto entoam brilhante e estrondosamente o hino ( ali todos dão a voz e a emoção ) . Sem medos nem preconceitos, os homens vermelhos não se importam de ser " papoilas saltitantes ". Têm nisso o velho e glorioso benfiquismo.
E assim chega um domingo ameno de verão.A época começando. E preparo o cachecol. O coração. O sorriso. Para a festa e mais o que der e vier. E vou. Almoçar perto dali.
No famoso centro comercial, são às centenas passeando as camisolas e os cachecóis. Enganando a ansiedade. O risoto de frutos do mar sabe-me pela vida. O filme que vejo a seguir, Lugares Escuros, com Charlize Theron ( que é brilhante, como aliás sempre o é ), também. Os M&Ms devorados esquizofrenicamente em vez das pipocas, idem. E assim cumprido calendário de entrada ao prato principal lá vou eu para o estádio. Sem pressas nem excessivo convencimento. O mundo vermelho está a postos. As bifanas, as waffles, as sandes de presunto, os cachorros e até o prego. Paro, paramos,na imperial. Depois nos hambúrgueres. Deixamo-nos ficar a comer e a observar o desfile
vermelho a caminho não sei de onde pois faltam quase duas horas para o início do jogo. O Mourinho é que era, meu! Oiço a um puto. Sorrio à ideia. Já cá esteve. E nem por isso nos valeu. Imagino aquele rectângulo demasiado pequeno para JJ constantemente pulando a " cerca " e sendo advertido pelo bandeirinha. Coloco o Vitória nesse lugar. Tem de ser. O passado morreu e o futuro é hoje, digo-me friamente. Damos uma volta à loja depois de comermos e termos bebido outra imperial. Epá maria clara já bebeste? Diz-me ela sorrindo entre o gozo e a censura. Eu nem gosto de cerveja, por isso bebo rápido. Faria se gostasses, diz. Não mesmo. Só acompanhando comida. O que gosto mesmo é de panaché. Vai subir-te à cabeça mais rápido. Diz. Enganas-te. Já desceu aos pés. Gargalhada. Encaminhamo-nos para o sector 5. Desta vez apanhamos lugares e fila, fixes. O estádio ainda está deserto. Ficamo-nos a observar todas as dinâmicas enquanto tiramos selfies e eu resolvo experimentar mandar fotos através do telemóvel. Consegui numa vitória de sinal feliz. Finalmente o jogo começa. E começam os nervos. De todos. À minha volta. A cria é contida. Mas sei que sofre. Mais que eu. Quando me abraça e pulamos abraçadas ao primeiro golo, na segunda parte. Ao intervalo disse-lhe - se é para sofrer e dar-me uma coisinha má deixo de vir apesar de não ser atitude de benfiquista mas tenho uma pressão no peito e não estou para isto. Mudo de ideias. Depois dos golos ( 4 ) que me fazem cantar, rir, pular e esvoaçar o cachecol, abraçar a cria e sorrir para os parceiros do lado da frente e de trás. Um estádio inteiro, mais eu, cantamos - O Campeão voltou . Assim fácil. Depois do Ola John ter saído ( nem devia ter entrado ). O jogo virou com os putos Nelson Semedo e Vítor Andrade. Ainda bem que virou. Tinha uma dolorosa dor nas costas. Estava farta d' uma criatura que chamava gordo ao Vitória e o mandava ir para casa. E d' um puto ( não mais de 10 anos ) atrás de mim, que sabia mais de futebol que eu havia de saber toda a vida que ainda tenho para viver e já vivi, juntas. Quando o jogo terminou o olhar aguou-se e relaxei. Relaxámos. O caminho para o metro e a viagem foram rápidos. Enlatados que nem sardinha em molho de tomate, num ambiente alegre e comemorativo com algumas piadas à mistura.
Afinal acabámos em primeiro, neste jogo primeiro deste novo e surpreendente ( ? ) campeonato. Ganhámos. E bem. Estou contente. Sou benfiquista. E como sou...acho que orgulhosa, respeitosa e ansiosa quanto baste.
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