terça-feira, 11 de novembro de 2014

regressar


" Ó camponesa formosa...vem clarear-me a tristeza,,. vem clarear-me a tristeza com a luz do teu olhar...mostra-me o trilho florido, que ao teu afecto conduz, dá-me o teu abraço, a morada, dá-me o teu abraço, a morada, sou um ceguinho sem luz..."
Ainda a melodia, ainda a morna ouvida quando deitei as emoções no leito antigo, ainda o dia levando-me para os braços da noite avançada nas horas. Ainda o sono. O coração adocicado. O frio. O pijama de inverno. As botas de lã. As fotografias antigas. Álbuns de uma vida vivida. Ainda o aconchego. A adrenalina que disparou. Ainda a casa de morada de família, reclamando por mim. As boas-vindas, os objectos. As fotografias. Álbuns de vidas minha e dos meus entes mais queridos. O seu cheiro. Falando-me palavras de aconchego e amor. Sorrindo-me. Como uma mãe saudosa e amiga....
Tudo me envolveu e embalou. E adormeci em paz, como uma menina, acabada de ganhar o melhor presente do mundo, envolta em sentimentos puros. A boca sabendo a mel, os olhos, botões de rosas, o coração feliz.
Um tiro, dois, três...abri os olhos. Como se aqui tivesse permanecido. Como se fosse todos os dias quinta-feira e os caçadores andassem por aí correndo atrás da caça que o Vale do Alvorão não esconde. Reconheci os sons. Levantei-me e abri as janelas. Uma a uma. Para entrarem os sons dos miúdos no átrio da escola. Dos automóveis passando de quando em vez. Das persianas subindo nas casas dos vizinhos. 
Para entrar o cheiro da manhã ainda envolta em nevoeiro. Inspirei profundamente. Olhei a serra. Com olhos de presente. O hoje oferecendo-me emoções de filho pródigo. E senti uma felicidade incomparável. Porque única. De liberdade visceral.
Regressar...nove meses depois. Assim como se fosse simples e fácil. Não é.
Deixei trinta e sete anos para trás e pus pés ao caminho. Tinha de o fazer. Foi o meu desejo ao longo de todas estas décadas. Afinal, regressar era imperioso. Era voltar a mim. 
Estou feliz porque voltei ao fim de uma gestação noutro lugar. Vim parir a esperança de me ter de novo encontrado. Sem receio, ressentimento ou culpa. De peito aberto.
Não mais estarei longe desta cidade e da sensação de estar em casa. 
Não mais estarei longe do que fui porque já não tenho medo. Só agora percebo.


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